história i saveiros
A
inda hoje, entidades de
mais de 400 anos insistem
em continuar singrando os
mares da Bahia. Parecem não se mover apenas pela força dos ventos. Os
próprios navegadores as tratam como
seres animados, vivos, cheios de alma.
“O saveiro não gostou dessa vela,
não. O saveiro não gostou disso, não
gostou daquilo”, costumam dizer.
Mas as águas calmas da Baía de
Todos-os-Santos, em Salvador e em
toda a região do Recôncavo, quase
perdem as tradicionais velas brancas,
que, desde os primeiros anos do século XVII, dançam ao sabor do seu
movi mento sereno.
Não faz muito tempo, os saveiros
vela de içar passaram a navegar vazios
e chegaram bem perto da morte (ver
box na página 88). Genuinamente
baianos, pelo menos na forma que
tomaram para adaptar-se à navegação
local, foram do auge à decadência em
poucas décadas. Dos mais de 1,5 mil
barcos existentes no século passado,
restam 18.
A extinção só não aconteceu graças ao amor quase transcendental de
um grupo de apaixonados pelo mar.
A Associação Viva Saveiro, criada
por oito amigos, em 2008, conseguiu
manter os barcos em plena atividade.
Passaram a adotar as velhas embarcações e, com dinheiro próprio, a
comprar os saveiros para devolvê-los
novos em folha aos mestres, após
minucioso trabalho de engenharia
naval e de carpintaria.
É o patrimônio redivivo voltando para de onde nunca deveria ter
saído. “Uma parte importante da
nossa história estava morrendo em
silêncio nos manguezais da Baía de
Todos-os-Santos”, diz o empresário
Roberto Bezerra, o Malaca, um dos
86 I Poderes em Revista
abnegados e vice-presidente da Viva
Saveiro. Todos os anos, a associação
também realiza a Semana do Saveiro,
com exposições de fotografias e obras
de arte. E há um projeto de construção do museu.
O artista plástico Bel Borba,
conhecido por imprimir mosaicos de
azulejos e dezenas de esculturas por
toda a Salvador, também tira dinheiro
do próprio bolso para restaurar a vida
dos ‘saveirões’. Paga para deixar em
boas condições lemes, mastros, velas e
cascos. “Depois que passei a entender
por que os mestres tratam os barcos
como seres vivos, divulgo da maneira
que posso”, afirma ele, autor de uma
exposição sobre o tema. O dinheiro
arrecadado com a venda das obras foi
revertido para a associação. “Quando
você vê o saveiro todo quebrado ou
queimado, parece a carcaça de um
regatas:
eventos promovidos
para garantir a
sobrevivência dos
saveiros na baía
o 15 de agosto, antes
da restauração:
Associação Viva Saveiro em
uma de suas primeiras ações