Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia | Page 41

iMagazine / April, 2013 9

Dessa forma, a partir da realidade dos participantes, um trajeto pelos elementos teóricos da base do trabalho faz sentido e é colocado em relação à prática. Essas práticas podem ser revistas e ajustadas, assim como algumas diretrizes e conceitos podem ser colocados em questão.

Elementos das práticas formativas

Ao propor encontros de trabalhadores das redes de atenção a consumidores de drogas, junto aos parceiros com quem mantive contato, foi possível elencar elementos práticos nas formas de organizar os encontros, que são facilitadores dos processos de transformação do trabalho.

As contradições são um ponto de partida para a reflexão crítica sobre a realidade. Perguntas, imagens, vídeos e casos podem ser disparadores de questões sobre as práticas que façam emergir as contradições que as habitam, e que podem motivar que os participantes se interessem por aprender, trocar e produzir novas respostas. É a partir do mapeamento produzido por essas questões que a teoria, os conceitos, as informações técnicas e processos históricos e políticos ganham sentido no processo formativo - para além do imaginário da “capacitação”, em que um conjunto de informações transmitido de forma vertical teoricamente habilitaria trabalhadores para o exercício profissional. Os elementos teóricos podem, a partir do debate sobre a realidade disparado pelas questões, ser apresentados e se tornam instrumentos para a transformação das bases das contradições, compondo um processo de síntese dos participantes que passam a criar respostas singulares aos problemas colocados na realidade de suas práticas.

Encontros em roda permitem que os participantes se vejam e que concretamente uma horizontalidade seja instaurada - ainda que as representações sobre as relações de poder dos presentes esteja dada, é possível que, aos poucos, seja feita uma transição da relação de hierarquia para a relação entre diferentes papéis complementares na execução da tarefa dada. Esse exercício coloca em questão relações opressoras, ou no mínimo, explicita-as, sendo que frequentemente ficam disfarçadas pelo discurso da divisão técnica e intelectual do trabalho em saúde5 (Pires, 2009).

O uso de recursos visuais de registro e afirmação do que é dito ajuda os participantes a manterem o foco na proposta e a realizarem um raciocínio coletivo em torno do tema. Sulfite e papel craft no centro da roda, com pessoas registrando pensamentos, ideias, conceitos, questões, ou uma projeção com um relato do encontro sendo escrito enquanto ele acontece, são dois dos principais recursos que experimento, com ativa participação dos presentes6 .

O registro é fundamental nesses processos. Se trabalhamos em equipe e entendermos que a transformação das práticas da rede depende de uma transformação na forma como as pessoas as entendem e dialogam sobre elas, a comunicação deve ser um dos elementos em foco. Para transformar as formas de trabalhar em palavras para que sejam elas registradas, é necessário que se trabalhem formas de sistematizar o conhecimento da experiência concreta dos participantes. Esse movimento instaura um processo de tomada de consciência daquilo que se faz, lançando luz sobre práticas que até então poderiam estar automatizadas, ou mesmo, sob as marcas da “intuição” ou do “dom”. Tomar consciência de elementos do processo de trabalho coletivamente, contribui para a afirmação daquilo que os Agentes Redutores de Danos fazem, podendo entender suas práticas como trabalho, técnica e conhecimento profissional, em lugar de uma percepção recorrente das práticas como menos importantes, ou que pudessem ser feitas por qualquer pessoa com ensino médio. Há tecnologia complexa nas práticas desses trabalhadores, manifesta na forma de saberes (Gonçalves, 1994).

A partir da sistematização e registro desses conhecimentos da prática, geralmente realizados em grupos menores durante os encontros, o compartilhamento dessa produção permite trocas de ensino e aprendizagem entre os participantes, enriquecendo as práticas que se instrumentalizam com o conhecimento produzido em diferentes contextos. Além disso, ao apresentar mais claramente as formas de trabalhar, é possível que contradições dos processos de trabalho e de respostas às necessidades da população fiquem mais claramente mapeadas.

PATHOS / V. 01, n.01, 2015 40