Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia | Page 28

8 iMagazine / April, 2013

Esta escuta passou por todos os setores da escola: direção, coordenação, professores, e com o passar dos encontros, outros funcionários, como os dos setores de limpeza e cozinha vinham conversar comigo espontaneamente, queriam fazer parte daquela "novidade" que estava acontecendo na escola. Durante muitos encontros, os problemas com as dificuldades de aprendizagem dos adolescentes pouco eram, ou nada discutidos, e quando eram, vinham sempre justificados pela questão indisciplinar, embasada normalmente pelas representações psicossociais que faziam desses moradores do abrigo. Muitos professores e especialmente a vice-diretora à época destes acontecimentos, faziam com que os adolescentes carregassem o peso de uma visão determinista, estereotipada, estigmatizada, que crianças e adolescentes menos favorecidos carregam em forma de rótulos, nascidos dos preconceitos. Alguns de nossos adolescentes chegaram a sofrer intimidações, quando ameaçados de serem encaminhados para a Febem, hoje, Fundação Casa.

Como as queixas eram, principalmente, em relação às questões de indisciplina que os adolescentes apresentavam, fui "metralhada" com todos os tipos imagináveis e inimagináveis de maus comportamentos, que segundo a escola, cometiam. Eu tinha plena consciência de que para minimamente conseguir alcançar os meus objetivos, melhorar a aprendizagem daqueles adolescentes, tinha que tentar provocar alguma mudança de mentalidade, tanto deles, como da escola, viabilizando canais de transformação naquilo que aparentemente estava cristalizado em ambos: não aprenderiam. Estava ciente de que a mentalidade constituída e o juízo de valor ali implicados, sobre os adolescentes, estavam fundamentados por crenças, afetos, valores, ideologias, preconceitos, aspectos culturais, diferenças socioeconômicas, dentre tantas outras influências.

Nos estudos psicopedagógicos que realizava e nas leituras do autor González Rey, em seu livro Sujeito e Subjetividade, encontrei caminhos para entender que essas influências, acima, fazem parte de nossa subjetividade. Entendi que nossa subjetividade, sentido subjetivo e nossas representações sociais nos constituem e nos formam, refletindo na maneira de como pensamos e agimos, em nossa visão de mundo. Fui compreendendo que o sentido subjetivo é dinâmico e se expressa em diversas configurações em constante movimento, portanto, pode mudar. E se temos maior clareza disso, há maior probabilidade de promovermos mudanças.

Entendi pela fala da escola o quanto no mesmo objeto podem estar contidos diversas significações, implicadas no que pode uma mesma atitude significar afetivamente e emocionalmente para um determinado sujeito ou mesmo um grupo social. No transitar entre esses dois universos, instituição abrigo e instituição escola, ficava patente o quanto nesta complexa rede de relações interpessoais, intersubjetivas, conviviam o objetivo e o subjetivo. Nessa teia de subjetividades, por exemplo, um certo comportamento do adolescente, objetivamente descrito em nossas conversas, podia ter várias conotações de acordo com o ponto de vista de cada um. Ou seja, subjetivamente, entre os agentes escolares, as opiniões divergiam entre si, tornando ou não o fato perdoável ou imperdoável, mais ou menos perdoável. Esses sentidos subjetivos foram um grande nó, o qual tive que ter muito equilíbrio emocional para lidar.

Assim sendo, diante de toda complexidade envolvida, além da busca do equilíbrio emocional a partir de minhas próprias reflexões para me manter saudável mentalmente, dos estudos psicopedagógicos que fazia, buscava ajuda também nos diálogos que estabelecia com a equipe técnica a qual fazia parte no abrigo, composta por um psicólogo e por uma assistente social. Encontrar apoio e proteção nesta equipe, me fortalecia e me renovava, não éramos apenas uma equipe, éramos pessoas que se admiravam pela competência e disponibilidade interna que cada um de nós tinha em querer acertar, juntos. Havia tanto entendimento entre esta equipe, que viramos amigos. O psicólogo, principalmente, meu grande, querido e especialíssimo amigo do coração. Amizade que nasceu da admiração que nutríamos e nutrimos um pelo outro, até hoje.

Além desta equipe (amiga) técnica, pude contar com uma gigante na escola: a coordenadora pedagógica. Ser humano maravilhoso, disposta, disponível, comprometida com a problemática da infância e juventude, atuante e praticante. Em todas as horas difíceis ou não, ela estava lá, lutando e me apoiando, sempre com aquele sorriso do tamanho do seu coração. Esta rede de apoio e proteção que eu tinha me dava energia para buscar caminhos e estratégias para poder vislumbrar possibilidades e alternativas que dessem maiores condições para desenvolver minha proposta pedagógica.

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