Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 7º Volume | Page 51

Nota-se também que ao caminhar com a “maleta escolar” na mão e depois ao colocá-la debaixo do braço, saindo com ar de imponência sugere o esquema de imitação que provavelmente deva ser de seus pais que ao tomarem posse de seus objetos pessoais realizam esse movimento ao irem para suas atividades profissionais. Neste momento verifica-se que a criança ressignifica o objeto brinquedo, pois não mais interagiu com apenas uma de suas partes (mini-lousa), mas se relacionou com o “todo-brinquedo” ao levar a “maleta escolar” em seus braços. Esta ação se reporta a uma situação para além do espaço em que se encontrava. Ao imaginar, pois sua conduta observada assim sugeria, indo para suas atividades profissionais como seus pais, a imitação neste contexto entra em vigor, pois segundo Piaget (2010, p. 118) seria “uma espécie de hiperadaptação por acomodação a modelos utilizáveis de maneira não imediata, mais virtual” realizando um “gesto significante”.

As considerações supraescritas endossam a importância do exercício simbólico para a constituição do sujeito e ratifica o que fora dito por Winnicott (1975), que a brincadeira é extremamente excitante para o indivíduo, pois a própria ação do brincar se constituir num interjogo entre o interno e o externo do sujeito. Ademais ressalta que o experienciar da ação com o objeto atribuindo-lhe um valor como brinquedo permite a criança trabalhar a separação dos sujeitos que lhes são significativos de forma criativa. É desta perspectiva que Winnicott (1975, p.151) afirmou: “na experiência do bebê (da criança pequena, do adolescente e do adulto) mais afortunado, a questão da separação não surge no separar-se, porque, no espaço potencial existente entre o bebê e a mãe, aparece o brincar criativo”. A “maleta escolar” neste contexto pode ter se configurado como um objeto transicional por se desvelar, na brincadeira em análise, uma espécie de suporte emocional evidenciando um caráter de intermediação entre o seu mundo interno e externo, pois o objeto transicional é o modo de relação que a criança estabelece com a realidade externa. O fato de a criança pular em cima dos objetos da “maleta escolar” pode indicar uma das motivações do brincar explicitadas por Winnicott, a de agressividade e o da destrutividade. O autor reconhece a agressividade como uma tendência humana e compreende a mesma como fundamental para a construção da identidade, pois ao agir de modo agressivo na sua exploração com o objeto, a criança realiza a diferenciação entre ela e o mundo exterior, prescindindo da realização concreta da destruição para sentir-se aliviada das suas fantasias destrutivas, conseguindo através dessa brincadeira dar vazão a sua agressividade.

PATHOS / V. 07, n.04, 2018 50

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