Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 75

Foto: Cristiano Rodineli de Almeida/ acervo pessoal

O humano, aqui apresentado, parece ser entendido pelo poder público como lixo e entulho social. Vítimas de ações inadequadas e violadoras da dignidade humana, como a retirada da população moradora de rua através de jatos d’água, pela ação violenta da polícia, entre outras práticas inadequadas e fascistas.

Ao vermos o atual prefeito de São Paulo, João Dória, lutar pelo dito “belo”, questionamos o que de fato seria belo para uma cidade. Entendemos que o real e mais importante patrimônio público de São Paulo, assim como o de qualquer cidade, é sua população, seu povo, sua gente.

Parece que a vivência da contradição toma conta de nosso espaço público. Por mais acolhedor, satisfatório e sedutor que seja, não adianta encontrarmos uma cidade limpa, com lindas flores espalhadas pelo município, como, por exemplo, o jardim vertical enfeitando toda a avenida 23 de Maio, enquanto inúmeras pessoas são impedidas e desautorizadas de existir nessa mesma cidade, bem como tolhidas e castradas na intenção de experienciar uma sociedade mais justa e igualitária. Tal movimento esquizoide nos impede de viver uma ética no campo da política.

A beleza da flor que me agrada e me seduz não possui a capacidade e o poder de tapar o horror de quem está sendo desassistido de seus direitos.

Quem não gosta de ver uma cidade bonita, enfeitada, bem cuidada no sentido estético e enquanto preservação do patrimônio público? Não negamos aqui que isso também seria uma espécie de cuidado. Contudo, corremos o grande risco, nesse caso, de que a dita “beleza” possa se tornar um escudo cruel na fomentação da massa de manobra dentro da cidade de São Paulo.

Entendemos que, por vezes, escolhas deverão ser feitas e sabemos que toda escolha envolve alguma renúncia. Dessa forma, é preciso questionar o que se está, enquanto gestão pública, escolhendo e renunciando. O que de fato deveríamos entender por “belo” – um conceito proveniente da estética – em uma cidade? Se não se pode ter tudo nessa atual conjuntura política, o que escolher: um suposto padrão estético ou uma ética? Uma ética desumana ou o humano vivo e real? O elitista ou o popular? O mais abastado ou o mais necessitado?

Estamos convocados a essa reflexão, afinal, a oferta da “Bela Cidade” pode esconder a realidade da “Fera”.

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 74

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