Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 39

Uma noção importante para articularmos quanto ao diagnóstico em estruturas psicóticas, é que não há uma padronização do discurso psicótico3, isto é, chamamos psicótico todo aquele (que não é neurótico) que está fora do discurso, para diferenciá-lo do neurótico (Calligaris, 1989). É válido lembrar-nos que o psicótico está fora do discurso, mas não da Linguagem, em contraste ao neurótico, ele não é determinado pelo discurso, mas sim cria seu próprio discurso (Calligaris, 1989).

Voltando ao significante, a definição de Lacan (1957/1998) para esse conceito é de algo que continuamente se repete nas sessões, algo que aparece frequentemente e, mais importante que isso, algo a partir do qual balizamos nossas representações. O significante opera de forma particular em cada sujeito, o que permite que façamos relações entre objetos fora do âmbito material (Jerusalinsky, 2008).

No que diz respeito ao manejo do significante “Múmia”, busquei entender qual sua importância e o que fazia questão para Lucas. Diversas brincadeiras tomaram palco nos atendimentos, onde eu encarnei a múmia, sempre tentando balizar sua fantasia sobre o que seria essa múmia. Lucas nunca assume o lugar de múmia, diga-se de passagem, nunca troca de lugar nas brincadeiras.

Lucas trazia algumas ideias associadas à múmia, como, “é uma pessoa que já morreu...tá na tumba, lá no Egito...Múmia não mexe” (sic). Sempre se colocava como “o Faraó” (sic). Tentei intervir para que ele falasse mais sobre essa ideia, mas ele não mudava os termos, parecia sempre um discurso pronto.

Lucas apresentava um grande medo dessas múmias, corria delas. Como já falamos, o psicótico não está no discurso, portanto não tem amo, não tem um senhor, precisa criá-lo, e “os amos que o psicótico fabrica são muito mais cruéis do que os amos que estão no discurso” (Jerusalinsky, 2008, p. 137).

Podemos entender essa posição de Faraó como alguém que detém todo o poder, como alguém que imobiliza o analista (múmia). Se pensarmos na figura do Faraó, é alguém que não atua diretamente, é servido por outros, podemos associar à amamentação de Lucas, que durou até os três anos. De acordo com Lacan (1938/2003), a amamentação é o primeiro laço constituído entre o bebê e sua família, e essa relação que tentamos restabelecer durante a vida. Além disso, a demora para o desmame se mostra prejudicial para o desenvolvimento psíquico.

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 38

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