Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 22

Apolo relatou, ainda, que sua maior aflição era “não ter morada” (sic.), frase que repetia com frequência durante os atendimentos. Em uma ocasião, ele disse: “Depois de um tempo entendi que casa não seria possível. Contentei-me com hotéis. Mas nem isso eu tenho mais” (sic.).

Quando Apolo deu entrada em nosso pronto socorro, segurava fortemente sua carteira de identidade e seu currículo escolar na mão. Além disso, nos primeiros dias da internação, quando lhe foram entregues as roupas para vestir após o banho, Apolo as rasgava e picava em várias partes. A equipe de enfermagem repetia que este comportamento não seria aceito, mas o paciente seguia fazendo o mesmo com cada peça. As roupas utilizadas na enfermaria são doações, o número é reduzido e, portanto, a equipe mostrava-se inconformada com o comportamento do paciente.

Em nosso terceiro atendimento, abordei a questão e me disse que lhe incomodava o fato das roupas terem etiquetas com o nome da marca: “Não gosto de usar um nome que não é o meu no meu próprio corpo” (sic.). Ele me fez a seguinte indagação: “Afinal, que marca me define?” (sic). A partir disso, orientei a enfermagem para que a roupa entregue ao paciente fosse lisa, sem estampas e que a etiqueta deveria ser retirada anteriormente. Depois, Apolo não rasgou mais nenhuma peça e as usava sem qualquer problema.

Em entrevista com a avó/mãe, a história que Apolo me contou foi repetida. A mãe biológica fora vítima de estupro quando viajava para São Paulo. A avó contou que, após o nascimento, a mãe iria “jogar o bebê fora” e, por isso acabou “ficando com ele porque não dava para jogar ele no lixo” (sic.).

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 21

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