Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 5º Volume | Page 45

PATHOS / V. 05, n.03, 2017 44

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Em certa ocasião, ao se atrasar e perder o horário da sala de atendimento, Macabéa subitamente inicia a sessão no corredor, mostrando a urgência para nosso encontro e a pouca valia que dava ao ambiente físico, demonstrando encontrar em nós continência. Assim como para Macabéa, nossa disposição para a relação também não estava circunscrita aos limites físicos da clínica.

Mostrando-nos recortes da sua história pessoal, Macabéa reúne páginas onde o tema da busca por um lugar que seja seu se repete continuamente. Sai da Bahia e vem para São Paulo, onde sofreu de solidão, descriminação e choque cultural. Sente a violência de não conseguir se sentir pertencente à nova cidade e o que ela lhe traz, frustrando-se. Através de uma amiga, Macabéa conheceu seu futuro marido - um Maranhense 15 anos mais velho, com quem na época se identificava, uma pessoa tímida, acuada e muito reservada.

Mais adiante, nos contando sobre outras páginas, Macabéa relata sobre os seus 18 anos de casamento, época em que trabalhou fora e cuidou da casa - sobrando pouco tempo para cuidar de si e de seu relacionamento. Não tinha com o marido a relação que sempre sonhou e mantinha uma expectativa de que ele fosse um dia, “começar a olhar para ela”. O marido, grosseiro, machista, e muito retraído, protagoniza com ela, uma vida conjugal difícil, com brigas e pedidos para que ela deixasse a casa. Macabéa atende ao pedido do marido e se muda para um pequeno quarto externo a casa apesar de realizar tentativas de reaproximação que não eram atendidas. É apenas quando o ex-marido lhe dá uma cesta de presentes, que Macabéa consegue reunir seus pertences e ir embora definitivamente. Muito mais do que uma cesta de presentes, o ex-companheiro de Macabéa lhe oferta um gesto de reconhecimento que era continuamente solicitado por ela e negado, um olhar que a refletisse enquanto pessoa – ainda que fosse um fragmento mínimo de olhar.

Macabéa conhece o novo namorado através de uma amiga. A relação assume uma qualidade íntima muito rápido e Macabéa nos significa seus sentimentos através dos cuidados que ele lhe proporciona – tratou de uma alergia que ela tinha nos pés com massagens e pomadas, cuidou da casa que mora, e até mesmo da educação das filhas dela. Macabéa nos relata que receber esses cuidados era a “melhor coisa”, mas que em contrapartida, quando não os recebia, fica chateada, sensível e irritada.

Nas sessões que se seguem, os relatos de Macabea revelam um grande sofrimento sentido na relação com o outro. Na tentativa de se fazer compreender, Macabea diz possuir duas versões dela mesma. Uma primeira versão mais servil, que ela adora e aprova, capaz de manter um relacionamento mais adequado com as pessoas, sempre disposta para com os afazeres, porem que por vezes se desorganiza, é mais impulsiva e sofre por isso.