Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 5º Volume | Page 32

PATHOS / V. 05, n.03, 2017 31

Na última etapa, conversei com a criança, que com seu jeito tímido, me dava respostas monossilábicas, não se prolongando nas questões. Então, resolvi utilizar como ferramenta, uma de suas habilidades: o desenho. Pedi ao mesmo que desenhasse a escola, o que ele gostava, enfim, o tema principal era esse, e ele poderia fazê-lo da maneira que quisesse. De imediato, a criança iniciou a tarefa, e logo a terminou. Perguntei se gostaria de dizer algo a respeito, ao que a resposta foi não. Apesar de que seu desenho era claro, objetivo, não necessitando realmente de maiores explicações. O desenho era o seguinte: estava dividido em quatro quadros, o primeiro representava a entrada das crianças na escola, o segundo, o período da aula, o terceiro, a hora do intervalo e, por último, a saída.

Interessante observar que a criança desenhou o sinal em todos os quadros, exceto na sala de aula. E, em todos os ambientes existiam pessoas, menos na sala de aula; neste quadro, nem mesmo a professora foi desenhada, isto é, a sala de aula foi representada como vazia, existindo apenas as mesas e cadeiras. Não pude dar continuidade ao trabalho, pois mudei de município, e fui trabalhar em outro local.

Óbvio que houveram diversos casos, porém este ficou marcado, talvez por uma identificação, não sei, mas especialmente pela forma como aquela criança retratava a sala de aula. Ao que parece, ela conseguia se inserir no ambiente escolar, mesmo que a própria direção o rejeitasse, porém, a sala de aula... Para ela, não existia. Aliás, enquanto estrutura estava ali com suas mesas e cadeiras, mas vazia, sem ninguém.

Provavelmente pouco do que acontecia ali dentro fazia sentido para ela, e no processo de aprendizagem, o significado é muito importante. Os modos criativos de ensinar, proporcionar a vivência deveriam fazer parte do processo de ensinagem, e não apenas a transmissão de conteúdos que são determinados por instâncias superiores. Contudo, no momento, em que o professor tentou seguir esta ideia, a escola barrou e, mais uma vez, perdeu a oportunidade de dar sentido a esta criança.

Cabe aqui ressaltar que este, talvez seja um outro problema existente nas escolas atualmente; pouco se participa da elaboração e planejamento dos programas que serão repassados aos estudantes.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens (28/10/2014)

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