Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 5º Volume | Page 18

O trabalho na tenda onde a qualidade da escuta é fundamental possibilita aos profissionais que aqui trabalham um aprendizado marcante, não somente enquanto experiência profissional, mas principalmente para o seu autoconhecimento através da perspectiva do outro. Nas nossas relações interpessoais somos inclinados, na maioria das vezes, a julgar as pessoas pela nossa ótica querendo saber o que é melhor para elas tendo por base os nossos valores. Quando aprendemos que ouvir e escutar não são as mesmas coisas e que a escuta qualificada é uma das ferramentas mais importantes para um acolhimento adequado, nos damos conta da possível miopia de nossos pontos de vista, e que nem sempre o que pensamos contempla o desejo do outro.

A.C.D. “Tô cansada de apanhar, perdi todos os meus dentes. Uso muito crack e bebo, mas preciso arrumar meus dentes. Não quero me tratar no CAPS, preciso arrumar meus dentes. Só quando eu arrumar meus dentes tiver os meus dentes de volta, é que eu vou me tratar e retornar para minha família. Tenho muita vergonha de como eu estou acabada. Eu não saí assim da minha casa”.

Logo no início de sua gestão, o prefeito Fernando Haddad, preocupado com a situação de alta vulnerabilidade dos usuários da cena de uso de crack e outras drogas no território da Luz, pediu à saúde que fosse viabilizada a implantação de um equipamento, talvez um CAPS naquela região para o atendimento daquela população.

A exclusão social e a falta de integralidade do cuidado são desafios recorrentes no repensar das políticas públicas. As pessoas que sofrem de transtorno mental e os usuários/dependentes de substâncias psicoativas, mesmo com as alternativas contempladas pela reforma psiquiátrica encontram ainda grande dificuldade no encaminhamento de suas questões sociais e de saúde, enfrentando a discriminação social e o preconceito. Daí a necessidade de se adequar o modelo assistencial tal como propõe o Programa “De Braços Abertos”, que visa contemplar as reais necessidades da população garantindo um atendimento equânime e de qualidade, em consonância com os princípios do SUS.

“Eu conheci todas as drogas que vocês possam imaginar. Quando cheguei à Cracolândia, cinco anos atrás, a gente via muita coisa ruim acontecer. Temos que reagir contra essa doença. Eu não parei de usar, mas eu diminuí muito o meu uso”, disse R. P. A. “Hoje, nós temos o privilégio de ter um amparo muito grande. Mas não basta a gente ter todo esse resguardo, temos que dar um retorno”.

PATHOS / V. 05, n.03, 2017 17

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