Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 59

Foto: Cristiano Rodineli de Almeida/ acervo pessoal

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PATHOS / V. 04, n.02, 2016 58

Segundo dados e relatos internos da instituição, a proibição do fumar se fez presente dentro do manicômio judiciário na mesma época da fuga. O imperativo da abstinência havia sido decretado de forma autoritária e inconsequente, numa postura proibicionista e não enquanto proposta de redução de danos, sendo tal ação o motivo inicial dos conflitos entre os pacientes e instituição.

A psicanálise nos brinda com a humanidade do Ser em relação as possibilidades de nos tornarmos dependentes de algo, de afeto, de sexo, de compras, de trabalho, de cigarro, etc. Segundo Freud, não há sociedade humana sem um ponto de fuga, ao que por vezes precisamos quebrar uma realidade para conseguirmos permanecer dentro dela. Se por um lado enquanto saúde pública entendemos que o uso de cigarro traz grandes prejuízos para a saúde, gastos em tratamentos e tudo mais, por outro é um fator preponderante e de grande auxílio dentro de uma proposta de redução de danos perante outros tipos de substâncias entendidas e reconhecidas como mais danosas aos pacientes. O uso do cigarro como um mediador na redução de danos é algo validado e muito presente em diversas práticas. Isso não faz da redução de danos um local de apologia ao uso, mas sim uma qualidade de vida e um direito de escolha ao sujeito, ofertando a ele um lugar mais empoderado sobre si e sobre o uso.

Em pleno 2016 nos questionamos onde estará o olhar enquanto redução de danos dentro desses tipos de instituição? Proibir simplesmente por proibir nos remete a algo punitivo, arcaico, equivocado e causador de conflitos. O cigarro, como possibilidade de busca de prazer dentro desse modelo institucional, parece deflagrar o direito do humano de escolha, de minimização do sofrimento, de fragilidade humana e, por que não, da possibilidade de existir um Ser desejante, vivo, Eros, o que não caberia, de acordo com Goffman e Foucault, dentro desse tipo de instituição total.

Ao lançar o olhar sobre os pacientes que ainda se encontram em manicômios, esses entendidos como loucos, socialmente inadequados, perigosos e afins, remete-nos ao olhar de Bauman e Levinas, que defendem o Ser Eros como algo totalmente diferente do movimento de dominação e poder. Eros é a relação com a alteridade, com o não-saber, com aquilo que se mostra como mistério. Segundo tais autores, o Pathos do amor, do humano, se pauta na intransponível dualidade do indivíduo, da loucura presente em todos nós, seja ela qual for. As tentativas frustradas e violentas de superar tal dualidade, nos remete a possibilidade de fugir, de tentar escapar de tal negação humana. A tentativa de domar o indomável, de fazer previsível o que é desconhecido e de tentar matar o singular, nos convoca a olhar para esse assassinato subjetivo do humano e, de forma empática, podemos dizer que a partir da situação aqui descrita que a fuga talvez fosse a melhor e a única manifestação de saúde possível dentro de tal contexto, permanecer ali talvez seria a morte, estaríamos nós nesse cenário, optando pela vida.

Em nome dos pacientes, nosso protesto!...