Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 38

Desde o pós-guerra, o discurso liberal tinha assumido a forma de um discurso de moderação e bom senso ao qual só podiam aspirar aqueles que tomavam os fundamentos da sociedade atual como pressuposto e tratavam as questões sociais e econômicas como prosaicos problemas de administração. Após as guerras culturais, ele retomou um caráter de ódio e desprezo de classe que trata os trabalhadores como indolentes que merecem ser punidos com a pobreza pela falta de industriosidade, capacidade de poupança e empreendedorismo. Pelos mesmos motivos, toda ação social do Estado é vista por esse discurso como complacência socialista com a incompetência e o comodismo. (ORTELLADO, 2014. p.01)

Ortellado finaliza seu texto dizendo caber àqueles que defendem os Direitos Humanos o dever de continuar fazendo a defesa dentro da guerra do discurso moral, porém jogando pelas próprias regras, e não as do ódio, da intolerância e do desprezo de classe, que são as regras adotadas pelos conservadores. Essas regras ainda não estão claras e nem bem orientadas para o grupo “da esquerda”, o que o leva a concluir que os “conservadores” saíram na frente da “guerra cultural” e que restaria aos “progressistas” o ônus do ajuste para que tenham mais chances de vitória.

Estética das manifestações

Com as concepções abordadas até aqui, recebi um convite através de uma das redes sociais da qual faço parte para um debate na Escola de Comunicações e Artes da USP sobre as manifestações que ocorreram recentemente. Infelizmente, não pude assistir ao debate nem presencialmente e nem pela transmissão on-line, mas, mesmo assim, o tema me despertou algumas reflexões. Adianto não saber se os debatedores foram na mesma direção. A chamada para o evento tinha a seguinte apresentação:

A dramaturga e roteirista Michelle Ferreira e o professor e pesquisador em Artes Cênicas Ferdinando Martins (ECA e TUSP) debatem como a adesão ao golpe por parte expressiva da classe média deve ser compreendida também por uma identidade de classe, pelo desejo estético de pertencimento a um ideal de elite, que opõe o "petralha maltrapilho" ao "coxinha arrumadinho". (ECA PELA DEMOCRACIA, 2016. p.01)

O argumento de que o estereótipo do “coxinha arrumadinho” responde a um ideal de elite é de difícil contestação. É o homem branco de classe média que conseguiu tudo o que tem pela virtude do esforço próprio, sem precisar da ajuda do Estado, que venceu na vida por mérito único e exclusivo de sua própria pessoa (como se isso realmente fosse possível). Do outro lado, o “petralha maltrapilho” figura tudo aquilo que é condenável: é o pobre, favelado, sujo, negro, fedido, suado, que vive às custas do Bolsa Família, vagabundo, maconheiro, e por aí vai. A polarização produzida, sobretudo pelos meios de comunicação e as redes sociais, possibilitou a construção dessas duas figuras emblemáticas e estereotipadas.

As características da adolescência englobam uma busca por si mesmo e da identidade, uma tendência à formação e identificações grupais, necessidades de se intelectualizar e fantasiar, crises no âmbito da religiosidade, deslocalização espacial, inadequação temporal, incremento da sexualidade manifesta, atitude social reivindicatória, contradições sucessivas, separação progressiva dos pais, constantes flutuações do humor e do estado de ânimo. Tais autores denominam essas particularidades como “síndrome da adolescência normal”.

Quando se referem ao pensamento do adolescente, os autores afirmam que ele se determina por um processo de tríplice luto (corpo infantil, identidade infantil e pais da infância). Já com relação à tendência grupal do adolescente, os autores, afirmam que: “Às vezes, o processo é tão intenso que a separação do grupo parece quase impossível (...) inclina-se às regras do grupo, em relação à moda, vestimenta, costumes, preferências de todos os tipos, etc.” (Aberastury & Knobel, 2011, p. 37).

Para Silva e Mattos (2009) citado por Pinsky e Bessa (2009), o sistema nervoso central forma-se durante os primeiros anos de vida até a adolescência, assim como amadurecem suas estruturas cerebrais. Com isso, diante dessa linha de pensamento organicista e biológica, os adolescentes estariam mais sensíveis a agentes estressores externos, como, por exemplo, às drogas psicoativas que seriam sentidas no organismo do jovem de modo mais intenso do que nos adultos.

Vale ressaltar que tais características apresentadas podem ser vistas aqui como apenas fatores potencializadores e não como determinantes de uma suposta causa de uso em larga escala na adolescência.

Leis e políticas públicas de saúde mental na adolescência

No Brasil, uma das Leis mais importantes relacionadas à adolescência é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069 de 13/07/1990), mais conhecido como ECA. Entre outros pontos, tal lei assegura a essa população a chamada: “proteção integral”:

(...) sendo dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. (Brasil, 1990).

Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) de 20/11/1989, criança é todo indivíduo até 18 anos. Porém, no ECA, considera-se criança o indivíduo entre zero a 12 anos de idade incompletos e adolescente aquele entre 12 e 18 anos de idade incompleto. O Ministério da Saúde (MS) segue as recomendações da OMS, na qual criança é quem tem entre zero a nove anos completos e adolescente entre dez a 19 anos completos.

PATHOS / V. 04, n.02, 2016 37

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