Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 28

Embora a preocupação e cuidado dos pais em trazer o feminino para próximo das crianças, Miguel acredita que futuramente questionamentos acerca da mãe de fato possa surgir: "... Aquela coisa de “aaah, eu não pedi pra nascer, eu não queria ter nascido nessa família” (...) quando eles forem adolescentes eles vão falar essas coisas “aah, não pedi dois pais."

Hoje ainda, podemos observar que esses questionamentos já existem, porém quem faz é a sociedade, que cobra das crianças uma mãe. Paulo nos conta uma situação onde Beatriz foi questionada sobre “sua mãe”, quando estava fazendo suas unhas na manicure. Beatriz responde que sua mãe está “viajando” e que estava acompanhada de seu pai. Levantamos a hipótese de Beatriz sentir-se coagida a “inventar uma mãe” para responder à demanda do outro, que já impôs a necessidade de existência de uma mãe previamente. Uma criança de nove anos, na maioria das vezes ainda não se sente segura para não responder ao outro de acordo com seu desejo, pois há uma necessidade de aceitação. Durante a execução do desenho, Beatriz mostra dificuldade em fazer os olhos, sendo este um órgão receptor que nos infere o quanto esse externo talvez a agrida emocionalmente, quando percebe da sociedade certa hostilidade perante sua composição familiar. É difícil olhar a partir do olhar do outro.

Blinder, ainda utiliza um trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry para exemplificar o olhar e percepção da criança:

Mostrei minha obra-prima às pessoas grandes e lhes perguntei se meu desenho os assustava. Responderam-me: Por que um chapéu iria assustar? Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma serpente que digeria um elefante. As pessoas grandes nunca compreendem nada por si mesmas, e é cansativo para as crianças dar sempre e sempre explicações. (Blinder, 2011, p. 142).

Posteriormente, Beatriz conta a Paulo o ocorrido com a manicure e argumenta que não desejava e não via sentido em contar e explicar sobre sua família para uma pessoa desconhecida, que provavelmente ela nunca mais veria, evidenciando a consciência de que o que estava fazendo (mentindo) não era o adequado, portanto, merecia uma justificativa. Poderemos dizer então, do ponto de vista psicanalítico, que Beatriz possui movimentos para os mecanismos de defesa.

Fica evidente em seu desenho que não era o que Beatriz gostaria de ter feito, pois ali apresentou para a solicitante exatamente a família que ela possui, simplesmente porque não foi exigido a presença de uma mãe, e sim de uma família. Isso nos faz questionar até quando viveremos em uma sociedade onde se baseie num padrão familiar pré determinado?

PATHOS / V. 04, n.02, 2016 27

"O maior problema

com relação a esta questão é que não temos permissão

dos chefes de

biqueiras para

que os usuários se aproximem das

ações sociais."

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