Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 9

No conjunto de elementos narcísicos, que estão presentes no jogo de identificações estabelecido entre mãe e filha, está o “susto” da mãe frente à recém- nascida. Na entrevista ela diz: “levei susto quando vi aquela coisa, aquele bichinho, ela era muito feia, aqueles olhos grandes me olhando e ela miudinha”. Vale ressaltar que a mãe rejeitou seu próprio corpo depois da gravidez, teve depressão pós-parto e, dentro deste quadro, afirmou ter tido vontade de jogar Edna pela janela, momento em que repetia que nunca iria abandonar a filha.

No que tange a relação transferencial, ressalto que me sentia mobilizada frente aquela menina de olhos grandes sim, cabelos quase negros, pele clara, linda (uma pequena Branca de Neve de cabelos longos?). Apresentava-se para as sessões por vezes assustada, chorosa, mas na maioria idealmente feliz. Raramente faltava e a resistência em entrar sem a mãe foi logo dissipada.

No entanto, numa sessão quando veio acompanhada do pai, por motivo de doença da mãe, Edna insiste em não entrar, chorando, queria ficar em um lugar que pudesse ver a chegada da mãe, ao mesmo tempo em que forçava o vômito que não ocorreu. Esta necessidade de ter a mãe ao alcance dos seus olhos era constantemente manifestada na exigência de sempre estar ao seu lado, não aceitando que outra pessoa realizasse suas demandas como, por exemplo, exigia que somente sua mãe a buscasse na escola.

Fato que nos remete a Freud, em “Inibição, Sintoma e Angústia” (1926 [1925]) no qual ressalta a possibilidade do sentir falta da mãe poder ser da ordem do “perigo” ou do “traumático”. Para o autor a passagem da condição de perigo para a traumática ocorre “se acontecer que a criança na época esteja sentido uma necessidade que sua mãe seja a pessoa a satisfazer” (p. 165) sem abertura para deslocamentos.

A situação traumática apontada por Freud, antecede a mensagem truncada da mãe endereçada a Edna, mensagem portadora do “trauma essencial” na perspectiva de Ferenczi, na medida em que se apresenta como “uma mensagem paradoxal – porque denegadora – de seu próprio conteúdo, proveniente do adulto e dirigida à criança.” A criança impossibilitada “de dar sentido simultaneamente ao que lhe diz o adulto e a seus próprios sentimentos de ternura, medo ou ódio, se veria obrigada a violentos movimentos de defesa, que mutilariam irremediavelmente seu aparelho psíquico: eis aí o trauma essencial (...)”(Mezan 2002:156)

Moreno (2009) chama a atenção para os textos de Ferenczi, a partir de 1928, nos quais se define o trauma como conseqüência de um choque intenso capaz de despertar a pulsão de morte adormecida no organismo e de uma não resposta adequada do objeto de confiança. Perspectivas que situam o contexto em que engendram as marcas indeléveis deixadas pela relação mãe e filha no processo de constituição da vida psíquica de Edna, objeto da abordagem a seguir.

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 08

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