Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 10

2 - Endereçamento ao analista: um desenho e um enunciado

as manifestações das crianças (...) são atos que escrevem o texto que cifra a leitura de sua relação com a alteridade, constituindo sua realidade psíquica. (...) Suas manifestações estruturam-se como uma linguagem que ordena ‘esse tão pouco de realidade que é a nossa: essa do fantasma’, situando-se aquém da imediaticidade de sentido a que se oferece e além do que, desta cifragem, pode ser descrito. (Vorcaro: s/d, p. 65)

Diante da insistência da mãe de Edna em dar um lugar privilegiado para o seu vômito, a paciente logo que entra para a sessão pega papel e duas das canetinhas, uma azul e outra marrom, dentre outras que estavam a sua disposição e faz um desenho (Fig 1), em seguida entrega para a analista e diz: “Toda vez que minha mãe dizer que eu vomitei é isso que acontece” (E. Terceira sessão – 10/02/04)

No desenho de Edna, podemos observar uma figura maior em marrom (a mãe) e uma figura menor com os contornos na cor azul, apresentando internamente dois traços na cor marrom e uma esfera com dois pontos também na cor marrom, saindo desta figura um emaranhado (vômito), volumoso e traçado na cor azul, a mesma do seu contorno. Vale ressaltar que a figura que a representa, é menos elaborada que a figura materna não sendo delineados os órgãos do sentido presentes nesta (olhos, nariz, boca e mesmo o esboço das mãos).

Imerso no enquadre da figuração que Edna dá para o acontecimento do vômito e do seu dito “Toda vez que mamãe disser que eu vomitei é isso que acontece”, nos vemos transportados para uma cena na qual o vômito é engendrado. Podemos destacar desta cena quatro elementos - a mãe, a criança, o(s) objeto(s) aparente(s) no corpo da criança, e o vômito -, representados com apenas duas cores, azul e marrom. Certos de um mais além e um mais aquém de uma significação possível somos convocados, na posição de analista, a decifrá-la mesmo que de forma parcial e preliminar.

A partir de dois elementos da cena - o vômito (cor azul) e o objeto no interior do corpo (cor marrom) – podemos nos remeter ao campo da oralidade e mais especificamente ao modo de relação de objeto que lhe é característico: a incorporação. Vale ressaltar, como nos lembram Laplanche e Pontalis (2001) que “a incorporação não se limita nem à atividade oral propriamente dita nem à fase oral, embora a oralidade constitua o modelo de toda incorporação”. (p.239)

Figura 1

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 09

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