Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 2º Volume | Page 7

PATHOS / V. 02, n.01, 2015 06

Estas experiências bem-sucedidas, no Brasil e fora dele, e outras que começaram a se desenvolver em todo o território nacional, com forte inspiração no Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), bem como a organização e pressão popular do próprio movimento, foram criando as condições políticas para a reversão no modelo de assistência em saúde mental no país. Antes hospitalocêntrico, esse sistema, centrado na figura do médico e tendo como técnicas de tratamento, quase que exclusivamente, o encarceramento e a intervenção medicamentosa, gerava aumento de sofrimento, privação de liberdade, cronificação dos quadros psicopatológicos e incapacidade para a vida social.

Contra esse quadro, aprova-se no Congresso Nacional em outubro de 2001, depois de 11 anos em tramitação e muita pressão do MNLA, a Lei 10.216, que institui a reforma psiquiátrica como política pública de atenção à saúde mental no Brasil. Seus princípios são a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por modelos de atenção comunitária e de cuidado em liberdade, em parceria com a família e o território. Também garante uma série de direitos às pessoas com transtorno mental.

Há muito o que contar sobre a história do MNLA, ou sobre as experiências da Reforma Psiquiátrica Brasileira – mais do que comporta esse breve comunicado. Vejam que aqui diferencio propositalmente o que é o movimento social e o que é a política pública dele decorrente, pois apesar das muitas conquistas no campo da reforma, a assistência em saúde mental no Brasil está longe de atender a todas as reivindicações do MNLA. Ainda temos hoje mais de 25.000 leitos em 127 hospitais psiquiátricos. Só no estado de São Paulo, maior parque manicomial do país, são 52 hospitais e 9.000 leitos, aproximadamente. Metade dessa população é considerada moradora de hospital, ou seja, é vítima de internação de longa permanência (mais de dois anos), extremamente deletéria aos vínculos sociais. Mas não podemos esquecer que há 20 anos atrás eram quase 100.000 leitos, e 90% do dinheiro empregado no cuidado aos pacientes com transtorno mental ia para os donos dos hospitais. Hoje temos a inversão desse quadro de investimentos (quase 80% do gasto em atenção comunitária), e um aumento vertiginoso de serviços e equipes para o cuidado em liberdade: são mais de 5.400 equipes/serviços de atenção comunitária, entre CAPS, Nasf, consultórios na rua, leito em hospital geral, residências terapêuticas etc. Este dado não inclui ainda equipes em UBS tradicional nem Cecco’s, o que certamente eleva este número para mais de 6.000 equipes ou serviços. Ou seja, existem muitos ganhos, mas também muito ainda por fazer e transformar, e por isso, a luta antimanicomial segue na sua busca pelo cuidado digno em saúde mental para a população brasileira.