O queijo de coalho em Pernambuco: histórias e memórias | Page 27
A PRODUÇÃO DO LEITE E DO QUEIJO SE TORNA CULTURA
criativa exercida por múltiplas sociedades.
Assim, cabia à mulher a função de cuidar
dos alimentos, em geral tarefa desprezada
pelos homens.
Para a mulher que vivia no campo,
as condições de vida e trabalho foram
modificadas excessivamente desde os
tempos medievais. No interior da família de camponeses, o trabalho doméstico
recaía de forma predominante sobre a
mulher, quando se encarregava, já nas
primeiras horas da manhã, de tarefas
indispensáveis da casa: fazer o pão, ordenhar as vacas, preparar o queijo e a
manteiga.
Atualmente, no Agreste de Pernambuco, há o registro da presença de
muitas mulheres, com vários filhos, que
cuidam, ao mesmo tempo, da casa, das
pequenas plantações, criam animais,
como as “vacas de leite”, e produzem
queijo. Elas ainda administram a comercialização dos produtos que não são consumidos por suas famílias.
No estudo da alimentação, com a
conservação de produtos naturais, tratando das transformações para manter a
vida, Michel Certeau7 vem observar que:
[...] da Antiguidade até o nosso
século, todas as sociedades humanas viviam obsidiadas pela necessidade de proteger as substâncias,
de estocar seguramente grãos e
alimentos: reservas de grãos enterrados em covas profundas para
protegê-los da fermentação, carnes
defumadas ou salgadas; excedente
de leite transformado em manteiga e em queijos; secagem de frutas
e legumes, conservas em óleo, em
água com vinagre ou álcool etc.
Aqui a criatividade fez maravilhas: cada cultura com suas descobertas.8
Por sua vez, autores como Câmara
Cascudo9, Jean L.Flandrin e Massimo
Montanari10 também nos fazem entender que os vários procedimentos de
conservação dos alimentos, nas práticas
culturais, já existiam desde tempos mais
remotos, embora tenham surgido mais
tarde outras práticas, como a do salgamento e todo tipo de fermentação controlada, permitindo, assim, a obtenção
de alimentos que se conservaram durante muito tempo11. Temos neste quadro, por exemplo, a cerveja, o vinho, a
sidra, o vinagre, os queijos, o chucrute e
os pepinos.
O domínio da técnica de conservação por parte dos seres humanos mais
antigos propiciou uma maior durabilidade dos alimentos, o que, entre outras
implicações, possivelmente contribuiu
para o sedentarismo de grupos sociais.
Não obstante, ao serem ignorados
os pormenores sobre a origem do queijo
como alimento, a História confirma sua
antiguidade. Admite-se que tenha sido
inventado antes da manteiga, apreciado
pelos assírios, caldeus, egípcios e, posteriormente, pelos gregos e romanos,
que, além de apreciarem o queijo, fabricavam diversas variedades e conheciam
as suas virtudes, pois o utilizavam na alimentação de soldados e atletas. Percebe-se, ainda, que a utilização do queijo era
muito comum na alimentação daqueles
que, no exercício do seu trabalho, despendiam um grande gasto de energia.
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