O ovo da serpente
Anivaldo Miranda
N
ão é a primeira vez que as polarizações estúpidas colocam
nuvens sombrias sobre o horizonte do Brasil. Aprender
com o que ocorreu em passado não distante, quando da
implantação da ditadura militar, e com outros momentos da histó-
ria brasileira, é importante ferramenta para impedir que a obtusi-
dade política que sempre aparece em momentos de crise institucio-
nal imponha novos retrocessos no difícil caminho de construção,
consolidação e aperfeiçoamento da democracia brasileira.
O golpe militar de 1964 nos ensinou o quanto é decisivo para
o futuro da democracia respeitar as regras do jogo. Por regras do
jogo entende-se a Constituição, ainda que imperfeita, mas inteira-
mente passível de evoluções em seu conteúdo desde que fruto de
consensos sempre possíveis de serem alcançados com o funciona-
mento regular dos poderes da República e das liberdades civis.
Foi exatamente por ignorar essa primazia da ordem constitu-
cional que esquerda e direita pavimentaram, sob o influxo da
“Guerra Fria” e das ameaças à Constituição, o caminho da dita-
dura cujos reflexos negativos para a convivência e cultura demo-
cráticas ainda hoje atormentam o Brasil.
Tirar lições daquele processo é, portanto, fundamental para
combater no nascedouro a onda de polarização atual que coloca
no centro do debate e do embate políticos forças corporativas e
reacionárias, de esquerda e de direita, que manipulam com
destreza, sobretudo nas redes sociais, as frustrações momentâ-
neas da população e sua ausência de memória histórica, para
requentar velhas fórmulas e crenças que fazem da simplificação
grosseira da realidade, da intolerância, dos mitos, do preconceito
e, sobretudo, da aversão ao diálogo o combustível para movimen-
tos e candidaturas presidenciais que sufocam o debate que o país
precisa fazer com responsabilidade e ameaçam verdadeiramente
a qualidade da disputa e do desfecho das próximas eleições numa
direção perigosa para a democracia,
Estas lições às quais nos referimos são válidas, a partir do
centro, para todo o espectro da política excetuados, é claro, os
47