Sem o estímulo fornecido pela “plataforma” política e inte-
lectual de Gramsci, é provável que a história da transição
democrático tivesse sido diferente. Tanto pelos efeitos que
produziu sobre a esquerda, como pelo que trouxe de oxigênio e
sofisticação ao pensamento político democrático e às correntes
mais avançadas do próprio liberalismo. O legado de Gramsci,
portanto, é imponente. Seria difícil imaginar outro intelectual
que pudesse ter feito o que ele fez em termos da criação das
condições culturais para a modernização do pensamento demo-
crático e de esquerda.
Mas é importante lembrar que ideias não têm pernas e neces-
sitam de sujeitos materiais para ganhar fôlego e se converterem
em força cultural. Foram muitos os intelectuais que deram pernas
a Gramsci, especialmente aqueles que foram chamados, à época,
de “eurocomunistas”, que, em boa medida, ajudaram a repercutir
no Brasil as novas orientações que estavam a ser adotadas pelos
grandes partidos comunistas da Europa, sobretudo o PCI, mas
também o PCF e o PCE. Ao menos durante uma parte do cami-
nho, a difusão de Gramsci se fez junto com a renovação comu-
nista que se processava na Europa Ocidental.
De que maneira o contexto político brasileiro neste período (final
dos anos 1970, início dos 1980) influenciou a recepção das ideias
de Gramsci? O filósofo italiano é um autor que permite interpreta-
ções bastante distintas e disputas. Isso também ocorreu no Brasil?
Naqueles anos, a esquerda ainda se dividia entre os que defen-
diam a luta política de massas e os que pensavam a derrota da
ditadura como uma operação de “choque de classes”. Havia muita
resistência ao pluralismo e ao valor intrínseco da democracia, em
torno do qual não deveria haver disputas. O marxismo brasileiro
também era raso, sobretudo na reflexão política. Tudo isso condi-
cionou a recepção das ideias de Gramsci. Além do mais, Gramsci
é um pensador marxista heterodoxo e de difícil assimilação, em
decorrência da estrutura de seus textos. São coisas que fazem
com que ele gere tantas controvérsias. Não foi diferente no Brasil.
Ainda hoje, mesmo depois de tantos anos de difusão de Gramsci,
não há uma leitura uníssona de seus textos. Ao lado das disputas
teóricas e conceituais, há também muita instrumentalização polí-
tica de Gramsci, muito manuseio político-partidário de suas
ideias, o que seguramente complica tudo.
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Leonardo Cazes