Revisitando a obra de Gramsci
Leonardo Cazes entrevista Marco Aurélio Nogueira 15
É possível precisar o momento em que as ideias de Gramsci
desembarcaram no Brasil? Muitas vezes as ideias de Gramsci são
apontadas como importantes para reorganização da esquerda no
final da década de 1970, no início do processo de distensão política
da ditadura militar.
Do ponto de vista editorial, as primeiras edições dos textos
de Gramsci remontam aos anos 60, quando a Editora Civilização
Brasileira publicou uma edição temática dos Cadernos do
cárcere. A edição circulou pouco e não repercutiu. Foi “atrope-
lada” pelo endurecimento da ditadura de 1964. Só mais tarde,
na segunda metade dos anos 1970, os escritos de Gramsci come-
çaram a repercutir, primeiro na universidade e depois, aos
poucos, no movimento social e na política. Mesmo na universi-
dade, não houve uma explosão: Gramsci foi se disseminando
gradualmente e ingressando pouco a pouco em áreas que não se
imaginava tão receptiva a ele, como o Serviço Social e a Educa-
ção. Na Ciência Política, ele permaneceu quase sempre à margem,
sendo aceito basicamente pelos marxistas e por teóricos mais
atentos à história das ideias.
No movimento social e na política, Gramsci foi importante
para atualizar o repertório dos democratas e da esquerda, ajudan-
do-os a se renovar e a abandonar certas cláusulas de atuação.
Importante, aqui, foi a contribuição que o marxismo gramsciano
deu à adoção pela esquerda de uma concepção “processual” da
reforma social, ou seja, de uma ideia de “revolução socialista” que
se faria mediante processos de longo prazo e não de “explosões”.
Isso impulsionou a passagem de praticamente todas as correntes
de esquerda para o campo democrático e a luta eleitoral, com a
qual se derrotou a ditadura nos anos 1980.
15 O jornalista Leonardo Cazes elaborou uma reportagem para O Globo sobre
Gramsci, os 80 anos de sua morte e a recepção de sua obra no Brasil, publi-
cada na edição de 26 de abril de 2017. Como parte desta elaboração, entre-
vistou Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp.
Aqui, a íntegra da entrevista.
241