O imprevisível 2018 PD49 | Page 236

popular, com todo o sistema de crenças, superstições etc. E encon- trou a chave para unificar, criticamente, essas duas instâncias. Resolveu a questão de maneira muito original. Estabeleceu uma relação entre a passagem do saber ao compreender e ao sentir, e, ao mesmo tempo e inversamente, do sentir ao compreender e ao saber. Destacou que o popular sente, mas nem sempre compreende ou sabe. O intelectual sabe, mas nem sempre compreende e, em espe- cial, sente. É indispensável, portanto, reconciliar senso comum e bom senso. Sem essa conexão entre intelectuais e a grande maioria da população, não se faz política. Essa relação unitária perpassa todo o trabalho e a formação de outros conceitos e categorias. Está presente, também, no estudo da estrutura e superestrutura. Outro exemplo claro é quando se refere às “ondas” dos movimentos históricos: de um lado, chamou a atenção para o exagero do economicismo ou do doutrinarismo pedante, e, de outro lado, para o limite extremo de ideologismo. Essa bifurcação poderia levar a graves erros na arte política de construir a história presente e futura e daria lugar a fórmulas infantis de otimismo. Outra contribuição importante: estabeleceu uma distinção metodológica entre dois momentos para a análise de uma situação concreta, circunstância ou conjuntura: a) um momento unido à estrutura objetiva, de acordo com o grau de desenvolvimento das forças materiais de produção: a formação dos agrupamentos sociais, suas funções e posição na produção. Essa análise permite dizer se, numa determinada sociedade, já existem as condições indispensáveis e suficientes para sua transformação; b) outro momento é a relação política de forças, a avaliação do grau de homogeneidade, autoconsciência e organização adquirido pelos diferentes grupos sociais. Na vida real, entretanto, considerou que estes momentos se confundiam reciprocamente. E, com base na análise de conjuntura, procurou resolver duas questões apresentadas por Marx no “Prefácio” de Para a crítica da economia política: a) “uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade”; b) é por isso que “a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou, pelo menos, são 234 Gilvan Cavalcanti de Melo