brasileiro. Um modo que se pretendia cuidadoso, respeitoso e até
motivador de uma pluralidade de leituras e interpretações.
Além das traduções estrangeiras consultadas (a americana e a
mexicana), o tradutor também se apoiou em alguns textos de teóri-
cos da tradução para fazer o próprio trabalho? Apresentaram-se, por
exemplo, questões ligadas ao tipo de relação entre texto e cultura do
país receptor ou, ainda, à medida em que a tradução deve ser fiel ao
original ou visar, sobretudo, à legibilidade para o leitor de uma
cultura diferente? As indicações oferecidas pelo próprio Gramsci em
suas cartas (por exemplo, a carta a Giulia Schucht de 5 de setembro
de 1932) foram levadas em consideração?
Devo muito a Gramsci nesta questão da linguagem: em boa
parte modifiquei meus próprios conceitos e visão do fenômeno
linguístico, não só a partir das sugestões dadas à mulher na carta
de 5 de setembro de 1932. Como o nosso autor diz, língua e visão
de mundo estão entrelaçadas, assim como língua e história. Acho
interessantíssima a hipótese de que, por meio de Sraffa, preocupa-
ções gramscianas hajam influenciado o segundo Wittgenstein,
uma prova de que a cultura sopra onde quer e por vias que consi-
deramos até mesmo improváveis ou impossíveis. Li o livro curioso
de Franco Lo Piparo sobre língua, intelectuais e hegemonia, a valo-
rização do conceito de prestígio linguístico, etc. As investigações de
Derek Boothman sobre tradução foram muito pertinentes. E o
próprio Caderno 11 está cheio de anotações sobre tradução e tradu-
tibilidade, quer no sentido mais restrito e convencional, quer no
sentido mais lato do termo.
O tradutor das Cartas tem algumas charadas para resolver. Não
se trata só da linguagem esópica às vezes adotada para contornar a
censura carcerária ou o fato de que aquelas linhas seriam lidas por
olhos estranhos, simpáticos ou não, até o momento de chegar ao
destinatário final, que podia ser a cunhada Tania, a mulher Giulia,
os filhos, o amigo Sraffa, o político Togliatti, a direção do PCI em
sentido mais abrangente. E o remetente tinha consciência destes
meandros tortuosos e difíceis, que obviamente violavam sua intimi-
dade. Acredito que o próprio autor se via diante de escolhas difíceis:
certamente, muitas vezes terá querido se expressar de modo mais
familiar e “relaxado”, mas sabia ser dotado de capacidade expressiva
poderosa, que nele era “natural”. Não poderia imaginar, nem de
longe, que suas cartas seriam reunidas e premiadas no pós-guerra,
além de saudadas como um feito literário, uma “obra-prima por
acaso”. Mas não ignorava que tinha pleno controle do instrumento
Uma busca de alternativa à ortodoxia soviética
229