O imprevisível 2018 PD49 | Page 231

brasileiro. Um modo que se pretendia cuidadoso, respeitoso e até motivador de uma pluralidade de leituras e interpretações. Além das traduções estrangeiras consultadas (a americana e a mexicana), o tradutor também se apoiou em alguns textos de teóri- cos da tradução para fazer o próprio trabalho? Apresentaram-se, por exemplo, questões ligadas ao tipo de relação entre texto e cultura do país receptor ou, ainda, à medida em que a tradução deve ser fiel ao original ou visar, sobretudo, à legibilidade para o leitor de uma cultura diferente? As indicações oferecidas pelo próprio Gramsci em suas cartas (por exemplo, a carta a Giulia Schucht de 5 de setembro de 1932) foram levadas em consideração? Devo muito a Gramsci nesta questão da linguagem: em boa parte modifiquei meus próprios conceitos e visão do fenômeno linguístico, não só a partir das sugestões dadas à mulher na carta de 5 de setembro de 1932. Como o nosso autor diz, língua e visão de mundo estão entrelaçadas, assim como língua e história. Acho interessantíssima a hipótese de que, por meio de Sraffa, preocupa- ções gramscianas hajam influenciado o segundo Wittgenstein, uma prova de que a cultura sopra onde quer e por vias que consi- deramos até mesmo improváveis ou impossíveis. Li o livro curioso de Franco Lo Piparo sobre língua, intelectuais e hegemonia, a valo- rização do conceito de prestígio linguístico, etc. As investigações de Derek Boothman sobre tradução foram muito pertinentes. E o próprio Caderno 11 está cheio de anotações sobre tradução e tradu- tibilidade, quer no sentido mais restrito e convencional, quer no sentido mais lato do termo. O tradutor das Cartas tem algumas charadas para resolver. Não se trata só da linguagem esópica às vezes adotada para contornar a censura carcerária ou o fato de que aquelas linhas seriam lidas por olhos estranhos, simpáticos ou não, até o momento de chegar ao destinatário final, que podia ser a cunhada Tania, a mulher Giulia, os filhos, o amigo Sraffa, o político Togliatti, a direção do PCI em sentido mais abrangente. E o remetente tinha consciência destes meandros tortuosos e difíceis, que obviamente violavam sua intimi- dade. Acredito que o próprio autor se via diante de escolhas difíceis: certamente, muitas vezes terá querido se expressar de modo mais familiar e “relaxado”, mas sabia ser dotado de capacidade expressiva poderosa, que nele era “natural”. Não poderia imaginar, nem de longe, que suas cartas seriam reunidas e premiadas no pós-guerra, além de saudadas como um feito literário, uma “obra-prima por acaso”. Mas não ignorava que tinha pleno controle do instrumento Uma busca de alternativa à ortodoxia soviética 229