Kautsky ou David Riazánov – nunca se limitou a uma questão de
competências técnicas ou intelectuais, mas que respondeu, sobre-
tudo, a uma questão de autoridade. Na hora de por em circulação
uma nova obra, a pergunta de fundo girava em torno de que
pessoa (Engels, Kautsky etc.) ou instituição (o SPD, o Instituto
Marx-Engels-Lenin de Moscú etc.) possuía a suficiente autoridade
para dar à luz aquilo que Marx tanto resistiu a mostrar, para
juntar os fragmentos que o próprio autor não havia conseguido
integrar em um todo, para completar seus pontos suspensivos ou
suas frases inacabadas.
O caso da história das edições de O capital oferece um plus de
sentido a respeito da publicação de qualquer outro livro. Pois de
todas as obras profanas que os reformadores sociais do século 19
destinaram à emancipação do proletariado, só O capital alcançou
semelhante nível de consagração. Um livro ao mesmo tempo
complexo, cujo alto nível de abstração teórica fez que fosse mais
reconhecido (e inclusive venerado) que lido. Isto fez com que sua
edição, sua apresentação, sua própria leitura excedessem a relação
simples, direta e profana entre o leitor e um livro qualquer.
O acesso do leitor a uma obra como O capital devia ser mediado
por toda uma série de pessoas e instituições “autorizadas”, que
ofereceram garantias de canonicidade e fidelidade a um original
zelosamente resguardado. E assim como a Bíblia judeu-cristã
esteve submetida durante séculos às querelas por sua canonici-
dade, o século 20 deu lugar a uma querela não menos intensa a
respeito da “edição autorizada” da “Bíblia do proletariado”.
Primeiros passos
A edição original do primeiro volume de Das Kapital apareceu em
Hamburgo, em 1867, com uma tiragem de 1.000 exemplares. Una
segunda versão, corregida pelo próprio Marx, apareceu em fascícu-
los entre junho de 1872 e maio de 1873. Se na capa está “1872”, o
posfácio de Marx, datado de 24 de janeiro de 1873, prova que foi,
nesse ano, quando terminou de imprimir-se (o volume completo não
saiu para a venda senão em meados deste último ano). Uma terceira
edição “ampliada”, a cargo de Engels, veio à luz em 1883, pouco
depois da morte de Marx; ali se incorporavam as correções manus-
critas que seu autor havia realizado sobre seus exemplares da
segunda edição alemã e da edição popular francesa.
Aos 150 anos de O capital
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