O imprevisível 2018 PD49 | Page 137

A interpretação de Karl Marx por Hannah Arendt 1 Adriana Novaes E m carta de 25 de dezembro de 1950 para Karl Jaspers, que havia sido seu professor, e tornou-se amigo e inter- locutor por décadas, Hannah Arendt tenta defender Karl Marx, afirmando que, enquanto revolucionário, este tinha uma paixão pela justiça, o que o distanciava de Hegel e o aproximava de Kant. Pouco mais de dois anos depois, contudo, após Jaspers reiterar suas críticas e Arendt contar que estava preparando aulas para um curso em Princeton sobre Marx e a tradição da filosofia política, ela afirma: “Quanto mais leio Marx, mais vejo que você estava certo. Ele não está interessado nem na liber- dade nem na justiça”. Esta afirmação contundente não se desdo- brou em uma relativização da importância da obra de Marx. Ao contrário, Arendt reconheceu nas contradições e nos insights, nos erros e acertos, um dos maiores intérpretes da era moderna. Seu cuidado é evidente na primeira página do Capítulo II de A condi- ção humana, em que lamenta a crítica que fará a Marx, citando a observação de Benjamin Constant sobre sua crítica a Rous- seau: “Evitarei decerto a companhia de detratores de um grande homem. Quando, por acaso, pareço concordar com eles em algum ponto, desconfio de mim mesmo; e, para consolar-me de haver aparentemente compartilhado de sua opinião... quero renegar e repudiar o mais possível esses pretensos colaboradores”. 1 Este artigo faz parte da Tese de Doutorado da autora. 135