O imprevisível 2018 PD49 | Page 133

Lenin acerca dos limites classistas da democracia, esta é compreendida enquanto possibilidade de construção da passa- gem dos governados à condição de governantes. Nesse sentido, a disputa pela hegemonia por parte dos grupos subalternos, tolhi- dos de sua condição diretiva na sociedade, se encaminha dentro de uma política democrática. Disputar hegemonia significa, nessa perspectiva, elaborar e disputar o consenso democratica- mente no interior da sociedade. Assim, em grande medida, a interpretação de Carlos Nelson Coutinho, se mostra valorosa, uma vez que consegue apontar para os vínculos entre hegemonia e democracia a partir da ideia de vontade geral. Contudo, é preciso perceber a dinamicidade histórica e política contida no conceito de hegemonia, que termina diminuída em razão da aproximação de Gramsci com os contratualistas. O historiador francês Pierre Rosanvallon (2010) figura como uma das possibilidades para o enfrentamento desse problema. Para Rosanvallon, em crítica ao contratualismo, a democracia não se configura enquanto espaço de consenso, mas como espaço no qual os conflitos políticos, em sua pluralidade, podem ser instituí- dos sem que haja quebra das instituições. Nesse sentido, a partir de uma apropriação das perspectivas de Rosanvallon é possível pensar a hegemonia gramsciana para além do contratualismo. Isso ocorre em virtude não somente do nexo entre hegemonia e demo- cracia, mas, sobretudo, em razão da compreensão gramsciana da política enquanto relação de forças desenvolvida no interior da sociedade civil. Assim, a elaboração da hegemonia pode ser compreendida enquanto uma formação política na qual a disputa pelo consenso figura como momento fundamental na construção da legitimidade do poder. Todavia, esse consenso é transpassado permanentemente por conflitos políticos que não deixam de operar no interior da sociedade civil, de modo que a constituição da hege- monia não implica no fim de sua disputa. Ao propor a hegemonia nesses moldes, é possível ainda ampliar o caráter plural e indeter- minado da síntese dialética que molda a hegemonia, uma vez que esta síntese aparece como essencialmente aberta em virtude da instituição permanente dos conflitos. Por fim, tal interpretação da hegemonia implica em uma deter- minada perspectiva em relação ao horizonte de expectativa gramsciano, fundado na ideia da sociedade regulada. Para Gramsci, que também abandona o conceito de comunismo, a sociedade regulada é a absorção do Estado pela sociedade civil. A hegemonia enquanto consenso e conflito 131