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Barroso
Noticias de
João Soares Tavares
Após
uma
ausência
prolongada revisitei a lagoa do
meu encantamento.
A cor da água estival oscila
entre o azul e o esverdeado.
Hoje, revela-se barrenta.
É audível o rebentamento
das ondas e o som consequente
derivado do espraiamento
no areal da Foz do Arelho,
a fronteira entre a lagoa e o
oceano.
A pesca artesanal está em
pousio. Os esguios e elegantes
barcos que durante o tempo
17 de Dezembro de 2014
Um Dia à Beira da Lagoa
lado do mar.
Por razões que só elas
conhecem,
as
gaivotas
acomodam-se na língua de
areia circundante. As restantes
aves – de diferentes espécies
– na maior parte do ano
em
número
considerável,
procuraram abrigo noutras
paragens. Até os flamingos que
davam à lagoa um colorido
repousante, partiram sem avisar.
Uma turma de pardais anuncia
a sua presença chilreando
na umbela do pinheiro. Que
melhor pousada poderiam
encontrar neste dia chuvoso?
Um pássaro misterioso, creio
eu, pois só é detectável pelo
resultado do produto do
saque, durante a noite extrai
os pinhões das pinhas, come o
miolo e deixa-me em cima do
muro de pedra sob o pinheiro,
as partes exteriores duras não
comestíveis. Pardais não são.
O bico não lhes permite partir
pinhões. As gaivotas também
Pôr-do-sol em Dezembro na lagoa (Fotografia de João Soares
Tavares)
bonançoso entre a aurora e o
anoitecer se cruzam no meu
olhar, praticam junto à margem
uma dança rítmica.
Gaivota
timoneira
empoleirada na proa de uma
embarcação aguarda pela
refeição matinal.
Digno
de
admiração
– atendendo à época do
ano – entre a vegetação
herbácea,
sobressai
uma
leira de margaridas silvestres,
cintilantes enquanto a geada
permanecer.
Um pinheiro manso de
umbela larga, minha árvore de
Natal e companheiro de muitas
horas, resiste estoicamente às
rajadas de vento soprando do
não serão as responsáveis, pois
o miolo do pinhão não faz
parte da sua dieta alimentar.
Um mistério para resolver. À
noite deixo a luz exterior acesa
e fico à espreita. Vou descobrir
esse misterioso intruso.
O sol não encontrou
guarida no mar mesmo atrás
do penedo do Gronho – uma
enorme massa arenítica que
desce
abruptamente
em
direcção ao oceano. Nestes
dias minguantes, fica muito
aquém. Esgueira-se entre os
pinheiros do Bom Sucesso, na
margem oposta da lagoa. É um
sol langurento. A nortada não o
deixa esquentar.
Um destacado artista da
capital, em finais do século
XIX, foi um visitante da lagoa.
Fundou a dois passos uma
fábrica de faianças. Corria o ano
de 1885. Sujeita à tormenta,
tem resistido. Seu nome –
Rafael Bordalo Pinheiro. Foi
devido à sua verve satírica
que a cerâmica caldense se
projectou a um nível nunca
atingido.
Algumas das peças que
Bordalo Pinheiro moldou no
barro, provavelmente partiram
da lagoa transportadas em
barcos, pois nos primeiros
anos de laboração da fábrica o
comboio ainda viajava noutras
paisagens.
Se
aquele
transporte
alguma vez se concretizou,
não sei. Mas, sei que era esse
o propósito dos promotores da
fábrica, quando se decidiram
pela sua edificação. Com
efeito, o comboio apenas se viu
neste rincão em 1887-88.
A noite caiu. O vento
amainou. Ao longe, as luzes
da marginal da Foz do Arelho
espelham-se nas águas da lagoa
como pirilampos de diferentes
tons cromáticos. Na lareira, um
tronco crepita qual fogo-deartifício em noite de romaria
minhota.
O estômago convida-me
para jantar. Um dos pratos
característicos desta região é
a caldeirada de enguias. Hoje,
não terei a sorte de a degustar.
Dizem-me os pescadores: nós
bem tentamos, mas raramente
aparecem. Até à lagoa chegou
a crise.
O vento regressou, embora
mais ameno. Com o avanço da
noite aperta o frio. Coloco na
lareira um madeiro de azinho
para me aconchegar o corpo e
o espírito.
Amanhece. De tempos a
tempos, dos lados do mar sopra
um som esbatido. Embora não
acreditem, os sons têm cores.
Só não as vê quem não quiser.
É provavelmente o farol do
Cabo Carvoeiro. Ou, os barcos
do porto de Peniche no regresso
da faina de pesca assinalando
a chegada. Talvez a draga a
limpar o excesso de areias
que se acumularam na lagoa
durante as sucessivas danças
das marés. Ultimamente o
assoreamento tem aumentado.
Contudo, a lagoa ainda é uma
das mais belas zonas húmidas
da península Ibérica.
Afinal,
o
“pássaro
misterioso” tem pêlo e quatro
patas. Imaginem, é um esquilo
bem nutrido de capa lustrosa
vindo sabe lá Deus de onde,
aqui encontrou abrigo neste
pequeno nicho ecológico.
Maravilhas
da
Natureza.
Durante o dia mantém-se
abrigado. Procura o alimento
à noite, ou quando não vê
pessoas por perto. Também
escolheu o pinheiro para
árvore de Natal, com presentes
em toda a época do ano.
O autocarro das nove
como é habitual chegou
atrasado. Não há lugares
sentados. Aos sábados os
aldeãos vão ao mercado da
cidade abastecerem-se para
a semana. Agora em maior
número na mira de mercar uma
prenda natalícia para o filho ou
para o neto. Para estes restam
sempre uns cêntimos, disse
o Manel para