BOTICAS
Carta – Resposta de Fernando Queiroga, presidente
da Câmara de Boticas, à Directora do jornal PÚBLICO
Foi com grande estupefação e incredulidade que li o
Editorial do jornal “O Público”
do dia 1 de setembro, a propósito da reforma do sistema judicial que entrou em vigor em
Portugal no início deste mês
e que determinou, entre outros, o encerramento do Tribunal de Boticas. Isto porque, se
cada um é livre de ter as suas
próprias interpretações e, de
acordo com os dados e informações de que dispõe, opinar
se a forma como esta reforma
foi conduzida faz ou não sentido, é inaceitável que esses
mesmos juízos sejam feitos por
um órgão de informação como
“O Público”, que se deve pautar pelo princípio da imparcialidade e pela não emissão de
juízos de valor, ainda para mais
quando estes enfermam de veracidade, levando os leitores a
interpretações diametralmente
opostas daquilo que é a realidade.
Aliás, muito me surpreende
esta postura de “O Público”,
que sempre se afirmou como
um órgão isento, e que não
procurou conhecer a verdade
dos factos, limitando-se a passar para os seus leitores a ideia
que entendeu ser a certa para
justificar este descarado apoio
à reforma do sistema judicial,
que atenta contra o direito no
acesso à Justiça de milhares de
cidadãos portugueses, a sua
grande maioria do Interior do
País. E esta é que é uma situação verdadeiramente anacrónica...
O grande problema de
V.Exas. é precisamente o mesmo da Sra. Ministra da Justiça:
não conhecem o nosso País e
julgam que Portugal é apenas
aquilo que veem desde as janelas dos vossos gabinetes. Se
se dessem ao trabalho de se
deslocarem até Boticas, de conhecerem a nossa realidade,
de se documentarem sobre o
assunto e se soubessem do que
estão a falar, tenho a certeza de
que não teceriam comentários
nem juízos de valor como os
que fizeram. Boticas pode ser
um concelho pequeno, mas é
terra de gente séria e honesta
que nunca deixou de contribuir
para o País. E quando referem
que apenas 0,1% dos 5000
habitantes usou o Tribunal, ou
estão a brincar ou efetivamente não sabem minimamente
do que falam. Para informação de V.Exas., esse 0,1% de
que falam (5 pessoas, portanto) corresponde ao número de
funcionários do Tribunal. Para
terem uma ideia do disparate e
do anacronismo do vosso editorial, nos anos de 2008, 2009,
2010, 2011 e 2012 (os anos
utilizados para o “estudo” que
conduziu a esta reforma judicial) entraram no Tribunal de
Boticas 468, 583, 418, 467 e
495 processos, respetivamente, para além dos transitados.
Numa regra de três simples,
que não é difícil de fazer, facilmente se conclui que, se em
cada processo estivesse apenas
implicada uma pessoa, isso já
significaria que o Tribunal era
usado por cerca de 10% da
população. Mas como V.Exas
das nos cerca de 500 processos
anuais...
Com o encerramento do
seu Tribunal a população de
Boticas vê-se obrigada a deslocar-se para Chaves e maioritariamente para Vila Real. E não
tem que fazer apenas mais alguns qu ilómetros. Tem que fazer muitos. Entre Boticas (sede
de concelho) e Vila Real há 67
km de distância, o que aumenta para 90 km se o trajeto for
feito de autocarro (via Chaves).
Mas há aldeias do concelho
que estão a mais de 100 km de
Vila Real, como por exemplo
Cerdedo, que fica a 116 Km.
Se entendem que isto é fazer
Editorial do jornal PÚBLICO
DIRECÇÃO EDITORIAL
01/09/2014
Há duas coisas que a reforma da justiça que entra hoje em vigor em Portugal
mostra de forma evidente.
A primeira é que é possível fazer uma reforma da justiça que faz sentido. Paula
Teixeira da Cruz concentrou os recursos que existem onde há mais população
(logo, mais processos) e acabou com situações anacrónicas como o conhecido caso
do concelho de Boticas, onde só 0,1% dos 5000 habitantes usava o tribunal.
Boticas terá agora de fazer alguns quilómetros até à comarca mais próxima. Mas
Boticas pode viver sem um tribunal. Não estamos a falar de crianças que vão à
escola todos os dias.
Além disso, esta reforma reorganiza os tribunais por especialidades, permitindo
uma justiça mais justa. Um juiz que julga exclusivamente processos de Trabalho ou
de Família e Menores julgará melhor e mais depressa do que um juiz que só
mergulhou nesses temas quando estudava alguns quilómetros... E tempo
sabem, cada processo envolve na universidade. Se em economianão poé dinheiro, em pessoas, é justiça.
muito mais justiça tempopelo que dem esquecer que não estamos
A outra evidência que esta
é a necessidade de os partidos que
podemos afirmar sem reforma expõeem Lisboa e que aqui, infelizdúvidas
alternam a governação em Portugal – PSD, PS e CDS – chegarem a um
que muito perto de 50% da po- mente, apesar de também conentendimento sobre o sistema da justiça. Só 23% dos portugueses “usam” os
pulação usava o tribunal. Mas tribuirmos todos os dias para os
tribunais, mas a qualidade da justiça de um país – ou a sua ausência – é um
entendemos que dê maisqualidade da pagar, não há os comboios, os
jeito a sua democracia.
indicador decisivo para medir a
V.Exas. achardesmantelar hoje tribunais que foram construídos há dez anos? Nos
que eram apenas metros, nem os autocarros que
Que sentido faz
519 concelhos(os tais 0,1% da po- podemos “apanhar” a cada mipessoas afectados pela reforma, alguns dos tribunais que ficam desactivados
são obras recentes, que custaram milhões ao Estado central e foram construídos
pulação) que estavam envolvi- nuto e em cada esquina. Quem
em terrenos cedidos pelas câmaras, que por sua vez deixaram com isso de fazer
outros equipamentos ou simplesmente obter receitas para investir.
MEL DO LAROUCO
Agora, o Ministério da Justiça prepara-se para gastar 35 milhões de euros em obras
de adaptação entregues por ajuste directo, ou seja, sem concurso público, graças a
um regime de excepção. Explicam as autoridades que “não havia tempo que
permitisse cumprir os prazos exigidos pelos
O mel do Larouco é produzido nas encostas da serra com o mesmo concursos públicos e, simultaneamente,
cumprir os compromissos assumidos no memorando de entendimento assinado
nome e resulta das florações
com a troika”. Em nome da transparência e bom uso dos cofres públicos, Portugal
da urze, sargaço, sangorinho,
tem uma lei que exige um concurso público para obras acima dos 75 mil euros. Mas
carvalho e outras espécies vea lei também prevê excepções. E assim, com esta excepção, a Justiça vai fazer 100
getais da região de Barroso
obras para pôr em marcha a sua reforma, algumas de dois ou dez mil euros, mas
algumas também de mais de um milhão. Há pelo menos oito casos nas obras desta
Apicultor nº 110796
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reforma. Sobretudo é difícil de entender a ideia de velocidade necessária quando no
mora em Cerdedo tem apenas
um autocarro para sair, de manhã, e um outro para regressar,
de tarde. Tem que sair de casa
às 6h30 da manhã para estar
às 11h30 em Vila Real. E tem
que sair às 12h00 de Vila Real
para ainda conseguir estar em
casa ao final do dia. Resta-lhe
uma “preciosa” meia hora para
as “diligências” no Tribunal...
É bom que os juízes se despachem ou a ida a Vila Real daquele que vive da pensão de velhice, sobrevivência, pensão de
invalidez, complemento social
para idosos, rendimento social
de inserção ou prestações de
desemprego será contemplada
com uma estadia de dois dias,
paga talvez pela generosidade
da Sra. Ministra da Justiça...
Mas há sempre opções. Paga a
um taxi e tem o assunto resolvido, a troco de 151,86€ cada
viagem. São 303,72€ uma ida
e volta... Uma bagatela comparado com o “privilégio” que
é o acesso à Justiça. E depois,
se não houver dinheiro para
comida, medicamentos, água
e luz tanto melhor. Se calhar
passa a ser menos um a contar
e o nosso Interior vai-se desertificando cada vez mais e talvez
consigamos chegar ao “número
mágico e anacrónico” das tais
5 pessoas de Boticas a usar o
Tribunal...
Entendemos ser necessária
uma reforma da Justiça. Uma
verdadeira reforma que permita
reduzir custos e manter a eficácia e a qualidade dos serviços
sem onerar o cidadão e o que
se passa com esta “reforma” é
precisamente o contrário. Há
já várias décadas que o Tribunal de Boticas funcionava em
regime de comarca agregada
com Montalegre, ou seja, o juiz
deslocava-se a Boticas uma ou
duas vezes por semana para
efetuar diligências e realizar
audiências, sem custos acrescidos para os cidadão. O Tribunal de Boticas não pagava qualquer renda e o seu custo em
2012 (ano de referência para o
estudo que conduziu a esta reforma) foi de 10.450,00€, valor
que o Município de Boticas se
comprometeu com a Sra. Ministra a suportar. Agora, com
a deslocação para Vila Real os
custos com as instalações serão
muito superiores, isto para não
falar que o tribunal funcionará em contentores (ou “módulos”, como eufemisticamente
são conhecidos) até que sejam
real izadas as obras necessárias
no edifício onde passará a funcionar (o edifício do ex-Distrito
de Recrutamento Militar de Vila
Real) que ainda nem sequer tiveram início e é impossível saber quando ficarão prontas.
Só a título de curiosidade, lembro que o custo destas
obras daria para suportar o funcionamento dos 4 tribunais que
encerraram no distrito de Vila
Real durante 25 anos...
Entendemos como altamente degradante a situação da
justiça no nosso distrito e, consequentemente, em Portugal
e é por isso que manifestamos
o nosso total desacordo face a
esta reforma do sistema Judicial
que, contrariamente à opinião
veiculada por V.Exas., não tem
qualquer sentido e foi feita com
total desconhecimento do que
são as realidades dos concelhos do interior do País.
A V.Exas. resta-me apenas
dirigir-lhes o convite para visitarem Boticas. Não para uma
curta estadia de um fim-de-semana, mas sim de dois ou três
meses, pois só assim ficariam a
conhecer a realidade e as necessidades da nossa população. E oxalá durante esse tempo não necessitem de recorrer
aos serviços do tribunal...
O Presidente da Câmara
Municipal de Boticas
Fernando Queiroga”