MUNDANO MAG №04 | Page 45

UM ESTUDO EM VERMELHO 10. Toca violino bem. 11. Perito em esgrima e boxe. Um espadachim. 12. Bom conhecimento prático das leis inglesas. Quando cheguei a esse ponto da lista, desanimado, joguei-a ao fogo. - Se para descobrir o que esse sujeito faz preciso compor todos esses atributos e deduzir que profissão precisa de todos eles - disse para mim mesmo -, é melhor desistir logo. Já me referi a seus dotes de violinista. Eram notáveis, mas tão excêntricos quanto suas outras habilidades. Tocava peças difíceis, eu sabia, pois, a meu pedido, havia executado Lieder', de Mendelssohn, e outras de minha preferência. Por conta própria, porém, nunca executava qualquer música ou tentava alguma ária conhecida. À tardinha, recostava-se em sua poltrona e, olhos fechados, tocava sem atenção o violino, que pousava sobre os joelhos. Às vezes os acordes eram sonoros e melancólicos; outras, fantásticos e animados. Com certeza, refletiam seus pensamentos, embora não se pudesse dizer se os acordes ajudavam-no a pensar ou se eram, apenas, o resultado de capricho ou fantasia. Eu teria me insurgido contra aqueles solos irritantes, se ele não costumasse encerrá-los com uma rápida sequência de minhas músicas preferidas, tocadas por inteiro, como uma compensação ao fato de ter abusado de minha paciência. Durante a primeira semana, talvez um pouco mais, não recebemos visita alguma e eu já começara a pensar que meu companheiro, como eu, não tinha amigos. Vim descobrir, mais tarde, que tinha muitas relações e nas mais diversas classes MUNDANO mag sociais. Havia um sujeitinho pálido, com olhos escuros e cara de rato, apresentado como Sr. Lestrade, que chegou a aparecer três ou quatro vezes numa só semana. Uma manhã, veio uma jovem, muito bem vestida, que se demorou por uma meia hora ou mais. Nesse mesmo dia, à tarde, o visitante foi um senhor espigado e grisalho, parecendo ser um pequeno negociante judeu, que dava a impressão de estar muito excitado. Logo a seguir, apareceu uma mulher de idade, com sapatos entortados pelo uso. Noutra ocasião, um cavalheiro de cabelos brancos teve uma entrevista com meu companheiro. Depois, recebeu um guarda de estrada de ferro vestido com um uniforme de algodão veludoso. Quando surgia algum desses visitantes, Sherlock Holmes costumava pedir-me que desocupasse a sala de estar, e eu me retirava para meu quarto. Ele sempre ¡ se desculpava por isso. - Tenho de usar a sala como lugar de trabalho - dizia -, e essas pessoas são meus clientes. Era, mais uma vez, a oportunidade para perguntar-lhe o que fazia, mas, como nas outras ocasiões, a discrição me impediu de forçar alguém a confiar em mim. Imaginei, então, que teria alguma forte razão para não falar a respeito, mas ele desfez essa ideia, abordando o assunto espontaneamente. Foi num quatro de março, tenho boas razões para lembrar a data. Eu havia levantado um pouco mais cedo que o habitual e Sherlock não terminara seu desjejum. A empregada, acostumada com o fato de eu levantar mais tarde, não preparara meu lugar à mesa nem minha refeição. Com toda a irracional petulância de que um ser humano é capaz, toquei a sineta e disse> 45