Muitas Mãos: Antologia Literária 2014 | Page 9

AMELIA BRIEGO – NAS SOMBRAS DA NOITE A garota estava sentada nos degrais da porta dos fundos de um café lotado, meio escondida pelas sombras da noite. O ar estava frio e úmido, e suas roupas esfarrapadas não eram suficientes para evitar que seu corpo miúdo tremesse. Quando ela era apenas uma menininha ela achava que a escuridão da noite lá fora tinha um ar excitantemente misterioso; todos os pequenos segredos vistos apenas pelo grande olho - a lua. A noite tinha um ar de promessa; promessa de aventura... Você pode ser tudo o que quiser; uma princesa fugitiva, uma cartomante, uma artista de Circo, uma feiticeira de terras distantes, uma ladra. Amanhã ninguém vai lembrar seu rosto ou seu nome; somente seus olhos brilhando no escuro e o que você escolheu ser. Mas agora a garota não acreditava mais em contos de fadas. Agora ela era parte das sombras da noite, e ela descobrira a verdade: a escuridão é vazia, e fria. Agora ela era apenas o que parecia ser: uma garota pobre e suja sem lar ou esperança, encolhida em um canto em uma noite de inverno. Luz amarelada vazava das janelas das casas e lojas. Lembranças de fogareiros acesos e da luz cálida de um lampião tomaram a mente da garota, dolorosas e ao mesmo tempo aconchegantes; aquela nostalgia melancólica de quando pensamos ter perdido algo bom para sempre... por um momento, ela chegou a ter saudade de casa. - Senhoras e senhores, sem mais delongas! O melhor chocolate e o cara mais incrível da cidade estão aqui. O garoto parou quando viu o olhar triste no rosto da garota. Olhou pras canecas que trazia como se de repente estivessem cheias de água de esgoto. - É, eu sei que não é muito, mas é o melhor que eu consegui arranjar por um real. Ela dirigiu a ele um sorriso desanimado. Uma brisa gelada soprou no cabelo escuro e desgrenhado do garoto. A garota queria dizer que não era culpa dele, mas tudo o que ela conseguiu foi tremer com o frio. Ele sentou ao lado dela nos degraus e deu a ela uma das canecas. A garota fechou as mãos em volta daquele pedacinho de calor e se deixou saborear aquela sensação agradável por um momento. Eles beberam o chocolate em silêncio. - Não fica triste - ele disse, baixinho - eu tenho certeza que a gente vai dar um jeito. Ela queria acreditar nisso. Ela queria dizer "claro, vai ficar tudo bem no fim das contas", mas um final feliz parecia tão real quanto Papai Noel, ou uma refeição decente e uma cama quente. Ela não queria ser a pessimista, porém, nem a garota fraca que precisa de consolo, então fez seu melhor para soar animada. - Eu não tô triste. É só que o inverno congelou o meu rosto nessa cara emburrada. Ele não acreditou nela, é claro. Seus olhares se encontraram e eles viram seus próprios medos e receios espelhados nos olhos um do outro. Então, do nada, o garoto 9