Military Review Edição Brasileira Julho-Setembro 2016 | Page 59

OPERAÇÕES DA ONU A INTERFET não é uma “missão de paz”, mas foi autorizada pelo Conselho de Segurança para apoiar a estabilização do Timor Leste29. Apesar da curta duração (de setembro a outubro de 1999), essa operação corresponde à primeira quebra de paradigma quanto ao envio de tropas brasileiras a missões sob o Capítulo VII. Pela primeira vez, o país desdobrou tropa para uma missão do Capítulo VII – no caso, um pelotão da Polícia do Exército (PE). Não houve, porém, autorização brasileira para o uso da força no terreno, a não ser para autodefesa. Depois da INTERFET, outras duas missões no Timor Leste, ainda sob o Capítulo VII, também contaram com o apoio brasileiro, cuja presença aumentou de um pelotão (primeiro com 50, depois com 70 militares) para uma companhia (cerca de 125 militares). A MINUSTAH, iniciada em junho de 2004, corresponde à segunda quebra de paradigma, quando o Brasil empregou pela primeira vez um batalhão (cerca de 800 militares) em uma missão regida parcialmente pelo Capítulo VII. Mais do que isso, o batalhão brasileiro efetivamente recebeu autorização da ONU e do próprio Brasil para usar a força no nível tático. E assim o fez, sobretudo entre 2005 e 2007, durante os processos que levaram à pacificação de alguns bairros da capital haitiana, com destaque a Bel Air e Cité Soleil. A MONUSCO, por sua vez, corresponde à terceira quebra de paradigma, ainda que não haja desdobramento de tropas brasileiras, apenas militares em missão individual. Em abril de 2013, o General Santos Cruz, oficial da reserva do Exército Brasileiro, foi convidado pela ONU para atuar como Force Commander dessa missão, o que incluía também o comando da controversa Brigada de Intervenção (FIP – Force Intervention Brigade)30. O governo brasileiro foi bastante reticente no início, pois nunca escondeu suas restrições em relação à FIP. Em alguns meses, porém, o país tornou-se mais condescendente e chegou a desdobrar oficiais de Estado-Maior em apoio ao Force Commander – apoio esse que durou dois anos (set./2013 - out./2015). Aos poucos, portanto, parece haver algum tipo de releitura quanto ao engajamento do país com tropas em missões da ONU sob o Capítulo VII, que começou com a “negação” e agora alcança a “participação comedida”. Surpreende, porém, que pouco ou nada seja ponderado acerca de todas as outras operações MILITARY REVIEW  Julho-Setembro 2016 da ONU sob o Capítulo VII que contaram ou ainda contam com a participação de brasileiros desdobrados individualmente. Os dados evidenciam que há pelo menos 25 anos o Brasil envia seus nacionais para missões sob esse Capítulo. Desde 1990, quando o DPKO começa a contabilizar a participação dos Estados-membros, das 23 missões sob o Capítulo VII autorizadas pelo CSNU, 17 contaram com apoio de brasileiros no terreno. Isso corresponde à imensa maioria, ou 74% do total. Em outras palavras, o governo brasileiro efetivamente autorizou e financiou o desdobramento de militares e policiais para 3/4 de todas as missões de paz da ONU que são regidas, total ou parcialmente, pelo Capítulo VII da Carta. A participação dos brasileiros nessas missões tem ocorrido por meio de contribuições individuais, exceto nos casos mencionados de Timor Leste e Haiti, em que houve contribuições com tropas. Trata-se de mais um padrão de comportamento que precisa ser absorvido pelas posições oficiais do país nos principais foros de paz e segurança internacional. É de se admirar que as missões sob o Capítulo VII causem tanto repúdio ao Brasil quando seus próprios nacionais também contribuem para o sucesso dessas missões, ainda que não usem a força quando desdobrados. A tabela a seguir elenca todas as missões de paz regidas pelo Capítulo VII (total ou parcialmente) e traz detalhes sobre a eventual participação do Brasil em cada uma. As evidências demonstram que os brasileiros, nessas missões, cumprem papeis variados, mas nenhum deles exigiu/exige o uso da força para além da autodefesa, à exceção da MINUSTAH. Porém – e mais importante – os mesmos dados sugerem uma verdadeira anuência por parte do governo brasileiro a missões dessa natureza, o que parece contrariar o discurso diplomático oficial. Tal aquiescência se traduz pelo efetivo apoio, há pelo menos 25 anos, ao desdobramento e à manutenção de mais de 1.500 brasileiros no terreno, por meio de pagamento de salários, compra de equipamentos, emissão de passaportes e passagens aéreas, além de outros investimentos. Assim, é fundamental que a política externa brasileira incorpore de alguma forma esse padrão de comportamento a fim de ser coerente com uma 57