Military Review Edição Brasileira Julho-Setembro 2016 | Page 23
ESTABILIZAÇÃO DO HAITI
Um novo enfoque da obra de Clausewitz, perfeitamente adequado às operações de paz, mostra não
ser necessária a derrota completa do inimigo, mas sim
agir com total controle da força. Quando Clausewitz,
valoriza o fator psicológico, ressalta a importância da
liderança, da força de vontade do comandante e a necessidade de a tropa possuir coragem e autoconfiança.
Assim, os conflitos teriam uma dimensão ampla, que
abrangeria forças morais e físicas, envolvendo a relação
em uma trindade indivisível15.
Essa trindade de Clausewitz confere a direção
estratégica para a forma holística do problema militar,
ou seja, os fins políticos. A trindade define a essência da
estratégia militar, ou seja: o comprometimento com o
povo, o comprometimento do governo e a visão humana da atuação de forças armadas.
Em missões de paz, pela permanente intenção política da ONU com o país onde ocorre a missão, existe
a necessidade do comprometimento político das ações
militares, em todos os níveis. Esse entendimento da
abordagem clausewtziana pode ser claramente verificado na estratégia de atuação das tropas brasileiras no
Haiti.
A Ação do Componente Militar
Brasileiro na MINUSTAH
Um problema comum à uma ação, é vontade
de assumir os compromissos necessários para
alcançar um consenso político16.
A categorização do espectro dos conflitos permanece em evolução, mas poderia ser distinguida em relação
ao uso da força: dos conflitos observáveis até os arsenais
nucleares. A tendência atual, no entanto, seria para
diferentes formas de conflito, como o multidimensional
conflito urbano17. Na análise da missão do componente
militar no Haiti, em ambiente urbano, foi fundamental o estudo no objetivo estratégico e Estado Final
Desejado, “manter o ambiente seguro e estável”.
Sob comando brasileiro, o contingente de tropas da
ONU, desde o início da missão em 2004, incluiu tropas
de mais de vinte países. O contingente brasileiro contava
com oficiais do Estado-Maior do componente militar, de
um Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABATT)
e de uma Companhia de Engenharia (BRAENGCOY),
totalizando o efetivo de cerca de 1200 brasileiros. No
bienio 2014 e 2015, o cargo do Force Commander foi
exercido pelo Gen Div José Luiz Jaborandy Jr.
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A influência da estratégia brasileira pode ser analisada pelos Elementos da Arte Operacional: Estado
Final Desejado, Centro de Gravidade, Abordagem
Direta e Indireta; Linhas de Esforço; Alcance
Operativo; Tempo; Faseamento e Transições; e Risco.
Observando os objetivos iniciais da missão em 2004,
verificou-se que o componente militar esteve desde o
início focado no “Estado Final Desejado”: “manter um
ambiente seguro e estável”. Isso porque já nas primeiras
ações, ainda em 2004, sob comando do general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro, o esforço foi direcionado
ao “Centro de Gravidade” do conflito, ou seja, as ações
hostis das gangs haitianas. O fator “tempo”, oportunidade, foi essencial para a neutralização das ações hostis e
determinaria o sucesso da missão.
O planejamento estratégico definiu uma “Linha
de Esforço” para as ações militares, isso permitiria
sair do estado inicial e atingir EFD. Essa linha possuía
“objetivos intermediários”, como as áreas de Cité Soleil
e Forte Nacional. Ao mesmo tempo, o “faseamento”
da operação não perdeu de foco as considerações civis,
com extremo controle do uso da força. Assim, o “risco”
de insucesso foi dirimido pelo estabelecimento de
nítidas regras de engajamento, delimitando o “Alcance
Operativo”.
O BRABATT foi empregado na principal área
hostil da capital Port-au-Prince. Nessa área, a dimensão humana foi importante para o resultado final dos
combates, pois a não observância da consequência
política das ações, seja pelo soldado empregado dentro
das vielas urbanas, seja pelos comandantes de fração,
agiria de forma negativa no EFD. Essa visão permitirá
mais tarde a “transição” para o período de paz e estabilidade da missão, por ocasião da retirada das tropas. Foi
observado o importante fator psicológico da trindade
de Clausewitz, a visão holística do envolvimento entre
o povo, os fins políticos e a ação das forças armadas18.
A atuação da BRAENGCOY, que em 2004 foi
direcionada para as funções militares de combate de
Movimento e Manobra e Proteção, “abordagem direta”,
com a evolução da situação na missão, passou a assumir
os trabalhos voltados para os assuntos civis, passando
para a “abordagem indireta” militar. O objetivo dessa estratégia era fortalecer o apoio da população à ação das
tropas, bem como enfraquecer a sensação de insegurança e qualquer forma de apoio da população às gangs.
Com o terremoto de 2010, que deixou cerca de
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