Military Review Edição Brasileira Julho-Setembro 2016 | Page 12

maneira do século XIX, invadindo um outro país sob um pretexto totalmente inventado”8. Infelizmente, o comportamento da Rússia desde o século IX até o presente continua sendo relativamente constante e previsível, apesar das bem-intencionadas objeções de Kerry e de outros com a mesma opinião. Coerências Estratégicas A expansão contínua é coerente com a história da nação russa. Em 862 d.C., Novgorod, que deu origem à Federação Russa, era mais ou menos do tamanho do Texas. Após cerca de 1.200 anos, a Rússia hoje é 24 vezes o tamanho das fronteiras originais de Novgorod. Invasões desastrosas levaram a liderança russa a se fixar na necessidade de estabelecer profundidade estratégica. Essas invasões incluem a conquista mongol do século XIII, a invasão sueca do século XVI, a invasão napoleônica do século XIX e a invasão nazista do século XX. O complexo de perseguição público da Rússia ignora o fato de que, antes e depois dessas invasões, a Rússia invadiu, rotineiramente, vizinhos mais fracos, incorporando seu território no Estado russo. Não foi uma diplomacia habilidosa o que expandiu as fronteiras da Rússia, e sim uma incessante campanha de conquista e subjugação por parte de seus governantes. As dinastias Rurik e Romanov, assim como a União Soviética, expandiram, continuamente, as fronteiras da nação. A existência de uma atitude psicológica nacional profundamente arraigada, que se apoia na conquista como meio de autodefesa e que advém de uma história tumultuada e agressiva, ajuda a explicar a atual política externa da Rússia. Adaptações Estratégicas Historicamente, a Rússia justificou a expansão de suas fronteiras à custa de seus vizinhos como um meio de buscar a segurança. Entretanto, o atual pretexto que utilizam para esse fim é novo. As razões da Rússia para a expansão territorial hoje têm mais a ver com a proteção de russos étnicos além de suas fronteiras que com a obtenção de profundidade estratégica9. Em seu livro A History of the Baltic States (“Uma História dos Estados Bálticos”, em tradução livre), Andres Kasecamp explica como a União Soviética desestruturou áreas etnicamente homogêneas ao forçar grandes grupos de pessoas a deixarem suas casas10. Kasemcamp afirma: 10 A mudança mais drástica para a Letônia e a Estônia durante a era soviética foi demográfica. Ambas as repúblicas assistiram à chegada em massa de pessoas do leste nos anos pós-guerra. Embora a porcentagem de estonianos étnicos na população da Estônia fosse de 90% no final da guerra, ao chegar 1989, ela havia caído para 62%. Durante esse mesmo período, a porcentagem de letões étnicos na Letônia caiu de mais de três quartos da população para um pouco menos que a metade11. Intencionalmente ou não, os russos étnicos colonizaram locais-chave em países vizinhos, proporcionando acesso estratégico à Rússia, particularmente em portos e áreas adjacentes às suas fronteiras. Contudo, em 1991, a União Soviética entrou em colapso. Subsequentemente, ressurgiram interesses próprios nacionais, e o império soviético se fragmentou em várias nações, deixando bolsões de russos étnicos que viviam como minorias em antigas nações soviéticas não russas, fora da recém-formada Federação Russa. A existência de populações russas fora das atuais fronteiras da Rússia forneceu, recentemente, o pretexto para que ela se apossasse de território dos antigos Estados soviéticos da Geórgia e da Ucrânia. A figura 1 mostra as regiões com as maiores concentrações de cidadãos russos, russos étnicos e falantes nativos de russo além das fronteiras da Federação Russa. Em 2005, Vladimir Putin declarou que o colapso da União Soviética havia sido “a maior catástrofe geopolítica do século” e que “dezenas de milhões de nossos concidadãos e compatriotas [russos étnicos] se viram além dos limites do território russo”12. Após o conflito de 2008 com a Geórgia, o Presidente russo, Dmitry Medvedev, disse à imprensa: “Nossa prioridade indiscutível é proteger a vida e a dignidade de nossos cidadãos, onde quer que estejam. Também procederemos com base nisso ao executarmos nossa política externa. Também protegeremos o interesse de nossa comunidade de negócios no exterior. Além disso, deve ficar claro para todos que, caso alguém faça incursões agressivas, receberá uma resposta”13. Após a tomada de território da Geórgia, em 2008, e da Crimeia na Ucrânia, em 2014, essa retórica preocupa os países vizinhos com grandes minorias russas. Preocupantemente, a Rússia parece determinada a interferir em áreas vizinhas, como afirmou Medvedev: Julho-Setembro 2016  MILITARY REVIEW