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Affonso Romano de Carvalho se define nessa obra, como um duplo: poeta e professor, e o poema em análise, de acordo com minha leitura, expressa esse conflito: o poeta, de um lado, criador de poesias, e o professor, que a destrói, é pago para isso, e que declara ser isso, o que melhor faz: mata a poesia, inclusive a sua, e a oferece, disposta em padiola, aos alunos, para decompô-la, dissecá-la no esforço didático-analítico. Ainda assim, mesmo reduzida ao que se assemelha a um “esquisito cadáver lunar”, do “perecível montão de formas” a que parece reduzir-se quando qual “natimorto” é em “fórceps” extraída e manipulada, algo se “transfigura e surpreende num bíblico ressuscitar”.

O poema é didaticamente dividido em três partes, sendo que na primeira, além de referir-se à profissão de ensino da literatura, especificamente da lírica, dedica boa parte a reconhecer o que lhe ensinam aqueles alunos que apresentam certa “dureza ingênua”, que buscam o palpável, o visível porque precisam ver para crer, estes o fazem se dar conta de que sempre “sobra algo a explicar”, que “o homem tem limites diante do que fita”, e é isto que o salva e livra de se tornar “Midas perdendo frutos, Anfion tangendo pedras”. .

A segunda parte do poema eu entendo que fala dos procedimentos metodológicos/ didáticos: servir poesia a horas certas, a la carte, dispor poemas em padiolas e ofertar aos alunos, destacando que apesar do esquemático fazer, a poesia sempre mostra sua vida, e nem sempre são as mais virtuosas e bem nascidas que transmitem mais vida. Elas também ressuscitam por vezes qdo parecem amorfas dispostas em padiolas para exame do alunado.

A terceira parte parece referir-se a todas as leituras e pesquisas que continuamente alimentam a atividade de escrita e docente, e que também é requerido aos seus estudantes, através do conteúdo programático. Das dezesseis notas de referências do poema, doze se encontram nessa parte.

Causa estranheza um poema repleto de notas enumeradas e inclusive. Um poema que gera outros textos numa intertextualidade explícita. Tal estrutura me parece interessante por reforçar o sentido do que é o fazer do professor, do autor quando assue a pele de professor, sua postura de ir decodificando junto com os alunos, os elementos de um texto literário, mais especificamente de um poema

Esse poema, no meu entendimento, de 1967, vai na direção do que Garramuño (2014)

define como a “inespecificidade” da arte, que porque algumas fronteiras são extrapoladas, especificamente a de gênero, quando ele traz esses elementos inerentes ao texto dis-