KAIROS Edição Especial - Dia Aberto 2015 | Page 20

4º ano do porto

rir para transformar

PaulaCampos

Eduardo Marinho

O bebé, inicialmente, tem a capacidade de expressar “sorrisos” apenas como um ato involuntário. No entanto, por estarem associados às emoções felizes, os mais significativos valorizam este comportamento com atitudes reflexo. É a partir deste ponto que o sorriso começa a ganhar significado relacional e a dar os primeiros passos de uma longa e fascinante caminhada...

O humor que pretendemos mostrar vai muito além de uma expressão, e é entendido por nós como um mecanismo transformador de angústias e conflitos. Parece-nos ser o humor uma “ferramenta” capaz de fazer o individuo rever-se no conflito comicamente retratado e, ao torná-lo consciente, potenciar a sua resolução.

A nosso ver, a expressão “rir para não chorar”, socialmente usada, não procura camuflar a dor e a tristeza do individuo, mas transforma-las sublimadamente através da sua caricaturização. Posto isto, vejamos algumas passagens do artigo “Humor, desidealização e sublimação na psicanálise”, escrito pelo Daniel Kuperman, em 2010:

De fato, como conceber que o eu possa extrair graça da situação de maior desamparo e angústia por que pode passar, o enfrentamento da morte? Freud argumenta que, de um lado, o humor serve a uma “ilusão”, sendo francamente defensivo. Ao mesmo tempo, parece evidente que se distancia das formações psico-patológicas, como a perversão ou a psicose (incluindo-se aí a mania), uma vez que não há, efetivamente, rejeição ou recusa da realidade penosa que se anuncia. Assim, se o humor é “o triunfo do narcisismo”, a “afirmação vitoriosa do ego”, é também a figura suprema do descentramento e do desapego narcísico. Uma formulação decisiva sugere um caminho para aprofundarmos o problema: há uma “intenção” (Absicht) no dito humorístico à qual se deve o seu caráter “elevado e enobrecedor”, a sua “dignidade”. Afinal, “o humor não é resignado, mas rebelde (trotzig)” (Freud, [1927a] 1972: 385).

No livro sobre Witz, Freud questiona o impulso – aparentemente irresistível – que temos para contar uma piada que acabamos de ouvir (ou de criar, no caso do comediante). “Ninguém se contenta em fazer uma piada apenas para si” (Freud, [1905] 1980: 166), afirma, o circuito cómico só se completa quando ele é compartilhado com outro. Dessa maneira, distinguem-se “três pessoas” envolvidas na estrutura de um dito espirituoso: a “primeira pessoa” é quem o transmite; a “segunda pessoa” é o alvo ao qual são dirigidas as pulsões sexuais e/ou agressivas que o motivam (...) e, finalmente, a “terceira pessoa”, o público, para quem a piada é contada.

Na tentativa de elucidar a função do público, a “terceira pessoa”, na estrutura do dito espirituoso, Freud ensaia algumas hipóteses: a ele (o público) devemos a reedição da surpresa que experimentamos ao ouvir a piada pela primeira vez, o que nos permite desfrutar mais uma vez

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