Jornal EcoEstudantil, n.º 31, maio 2018 26 Jornal maio 2018 | Page 32
CINEMA
La Haine, de Mathieu Kassovitz
Caracterização da personagem Hubert
Por Ana Marisa Colaço, 12.º A1
«Sabem a história de um gajo que caiu
de um arranha-céus? À medida que ia
passando cada andar dizia para se
tranquilizar: ‘Até aqui tudo bem, até
aqui tudo bem…’ Mas o importante não
é a queda, é como se aterra»
Hubert, 20 e poucos anos, de
ascendência africana, vive nos
subúrbios de Paris e é mais uma
das vítimas de uma sociedade em
decadência devido à hostilidade e
à violência.
Cresceu num lar onde a educa-
ção e os estudos são importantes.
Em casa, a irmã estuda matemáti-
ca e a mãe está preocupada com o
irmão preso, pois pediu livros es-
colares para poder acabar o se-
cundário. A relação entre mãe e
filho é enternecedora, marcada
por cumplicidade, amor e respei-
to. Hubert chega a desabafar com
a mãe exprimindo o desejo de
abandonar o mundo das drogas,
da violência e do ódio, mas não
sabe como fazê-lo (‘Estou farto
desta cidade, isto está cada vez
pior... Tenho de me ir embora,
sair daqui.’- diz à mãe quando
está em casa).
A personalidade de Hubert teve
grande influência de duas compo-
nentes: a mãe, que lhe transmitiu
valores e princípios e em conse-
quência do seu esforço resultou
um jovem maduro, equilibrado,
pensativo, silen-
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cioso e muito
sábio; e a escola
e a associação com pessoas con-
flituosas, que teve como conse-
quência más escolha de vida, sen-
do traficante e consumidor de
drogas. Com esse dinheiro, ajuda
a mãe a pagar as despesas. Tem
uma linguagem muitas vezes obs-
cena.
Inúmeras são as vezes que Hu-
bert tenta dissuadir e fazer refletir
os amigos, especialmente Vinz,
de agir de forma irracional, intui-
tiva e geradora de ódio. É a mente
do grupo, a componente racional,
a voz do bem, o que mantém a
cabeça fria em situações aflitivas
e tenta arranjar sempre a melhor
saída possível sem que haja mui-
tos danos, o que tenta incutir os
valores morais que recebeu de sua
mãe, como respeito e bom senso.
‘O ódio gera ódio’ é uma das fra-
ses ditas por Hubert que demons-
tra a maturidade e a inteligência
‘acima da média’ de um jovem
que sabe ver além das barreiras,
além do ódio e da violência, e que
busca a paz.
A descoberta da morte de
Abdel, fruto da violência policial,
foi o desencadear de um verda-
deiro teste para Hubert. Numa
primeira fase… mantém-se firme.
O abatimento e a tristeza que sen-
tia não o levou a desejar o mesmo
que Vinz - vingar a morte de
Abdel matando um polícia. O que
ele realmente desejava era que-
brar o ciclo de violência e trazer
paz, mas sabia que dizer isso a
Vinz não ia resultar. Então, como
se já soubesse que Vinz não seria
capaz de pôr em prática o que di-
zia, quando surgiu a oportunidade
de Vinz se vingar, Hubert fez
pressão, incentivou-o a matar, a
vingar-se da morte de Abdel e,
como esperado, Vinz finalmente
percebe que não é tão corajoso e
radical como pensava ser e desis-
te.
Mas a segunda fase foi o derra-
deiro teste. Hubert deixa de ser
apenas uma pessoa e simboliza
todos aqueles que são vítimas de
uma sociedade alimentada pelo
ódio. Vai ter de decidir seguir o
seu coração sábio ou o instinto
violento. Uma escolha difícil e
sem tempo para refletir…. Um
polícia ameaça disparar contra
Vinz, Hubert tem de agir rapida-
mente. Corre decidido a travar o
polícia mas, por segundos, hesita
e é o suficiente para Vinz aciden-
talmente morrer. Hubert entra em
modo de alerta, o sangue ferve-
lhe de ódio e a sede de vingança é
grande, a sua mente está a apagar-
se…. Aponta a arma para o polí-
cia e agora a sua cabeça também
é alvo de uma bala de chumbo.
Não há como voltar atrás.... Dis-
parar ou morrer? O olhar aterrori-
zado e impotente de Saïd é foca-
do, o ecrã fica preto. Ouve-se um
tiro. Quem terá ganho? A racio-
nalidade ou o instinto? O ódio ou
a procura de paz?
«A história de uma sociedade que cai e
diz para se tranquilizar: ‘Até aqui tudo
bem, até aqui tudo bem. ‘Mas o impor-
tante não é a queda mas como se
aterra.»
Artigos das páginas 31 a 33 orientados pela
professora de Psicologia, Edite Azevedo