Jornal do Clube de Engenharia 582 (Setembro de 2017) | Page 4

www.clubedeengenharia.org.br OPINIÃO A proposta para aprimoramento do Setor Elétrico Brasileiro Por José Luiz Alquéres* Verificou, como era de bom senso esperar, que muito pelo contrário, os países que faziam evoluir as regras de acordo com as tendências e características econômicas e sociais eram os que melhor se apresentavam. Havia, porém, um contraponto: evoluir mantendo um norte definido, sem guinadas provocadas por modismos e experimentações. Devemos, portanto, de início saudar o Ministério de Minas e Energia por, finalmente – depois de mais de 13 anos de um ajuste maior no modelo e cinco anos da malfadada MP 579 e suas consequências –, dispor-se a revisitar o modelo do setor. E mais, fazer isso por meio de consulta pública que recolheu contribuições gerais, inclusive do Clube de Engenharia, até o ultimo dia 17 de agosto. A proposta governamental procura atacar alguns pontos onde as disfuncionalidades setoriais causam enormes problemas, tais como a enorme e inédita judicialização entre os agentes do setor. Certamente foram ouvidos os agentes setoriais mais expostos a este tipo de problemas: geradores, comercializadores, grandes consumidores e um ou outro setor de energias alternativas. Embora muitas propostas desta Consulta Pública CP-33 possam representar um alívio nas precárias condições atuais, é um pouco de pretensão achar que isso, por si só, vai representar o aprimoramento deste importante setor. 4 Marchetti Há poucos anos, meio incomodado pela paranoia da expressão “o setor de energia elétrica precisa ter regras permanentes e imutáveis”, o Banco Mundial conduziu um estudo sobre a relação entre regras permanentes e qualidade do setor de energia elétrica, medida pela saúde das empresas, qualidade da energia e satisfação dos consumidores. Vivemos no pós COP 21 e COP 22, com 194 países signatários de uma convenção mundial do clima. Como querer mudar o setor elétrico ignorando este tema? O setor de energia elétrica tem peculiaridades próprias no Brasil em função das nossas características geográficas e geológicas, a diversidade dos regimes hidrológicos, a diferenciada densidade populacional entre as regiões, a recente megaurbanização da população e as enormes desigualdades de renda entre pessoas e regiões, apenas para mencionar alguns dos mais importantes fatores. Sua evolução ao longo de pouco mais de 100 anos igualmente resultou em um sistema nacionalmente integrado com transporte de energia a longuíssimas distâncias, unindo centros produtores e centros consumidores. A topologia dessas grandes redes merece hoje ser repensada. Há que se acrescentar que a maneira de implantar aproveitamentos, especialmente ao longo dos últimos 25 anos na Amazônia, deixou muito a desejar no tocante à coordenação da engenharia (vejam-se os problemas entre Jirau e Santo Antônio), no tocante ao planejamento, o que veio a se refletir no desordenamento econômico das hidrelétricas em construção, e na inexistência de um programa de complementação térmica adequado e econômico, como previsto nos Planos 2010 e 2015, elaborados no final da década de 80 e início da de 90, mas desprezados posteriormente. Neste quesito específico da complementação térmica, vale destacar que nossa matriz se sujou estupidamente com abundância de geração térmica poluente e ineficaz, e vai sendo corrigida aos trancos e barrancos com leilões por fonte e incentivos estranhos – alguns por sinal eliminados em boa hora nesta proposta CP-33. Nada se compara, porém, à falta de priorização da sustentabilidade na implantação dos aproveitamentos setoriais, algo que desde o I e o II PDMA’s (Planos Diretores do Meio Ambiente do Setor Elétrico) vinha sendo perseguido pela Eletrobras e pelas empresas participantes do seu fórum de planejamento e de seus dois fóruns (um voltado à sociedade, outro às empresas) de meio ambiente. O que me parece essencial – e que defendo publicamente há alguns anos – é a constituição de “Autoridades de Bacia” e que as concessões de uso e aproveitamento das águas sejam feitas por bacia hidrográfica, e não por projeto. Essa ação imporia ao concessionário uma responsabilidade perene em relação a todas as atividades do ciclo da água, ou seja, se ele tem a receita da produção da energia que cuide da encosta, do aquífero, da diversidade da fauna e flora, etc. Não vivemos mais em um planeta onde existem bens livres. A estes aspectos da intimidade técnica do setor nós devemos somar três outros importantíssimos fronts: o institucional, o da engenharia/ tecnologia, e o das suas implicações macroeconômicas. No tocante aos aspectos institucionais, não se observa nessa nova proposta nem uma palavra sobre governança. Temos um sistema híbrido como o de muitos países do mundo, inclusive os Estados Unidos, onde convivem empresas privadas, estatais, empresas privadas estrangeiras, empresas