Gilberto Candido
MAMMA ROSA
Não sou muito adepto a certas modalidades populares
da internet. Mas numa certa vez me rendi à tentação no batepapo virtual. Por coincidência, peguei o Douglas on-line — um
antigo ex-colega de hotelaria que já não me correspondia nem
por e-mail mais. E, sabe como é, né? Deu-me aquela
vontadezinha de saber o que ele andava aprontando.
Uma de suas primeiras perguntas zombeteiras, sem que eu
tivesse me dado conta, foi: “Onde você aprendeu a desenhar?”
Me enchi de orgulho e respondi: “Aprendi sozinho. Sou
autodidata.” E ele: “Bem que desconfiei. Tu desenhas mal pra
burro, hein?” (Ter certa intimidades com certas pessoas é foda!)
E ele continuou: “E onde aprendeu a contar e escrever casos?” E
eu: “Aprendi a contar casos observando o cotidiano e a
coordenação de minha mãe neste contexto. E aprendi a escrevêlos lendo livros”.
Acho que o desarmei. Ele ficou sem jeito de falar mal de
minha mãe e desapareceu em off.
O fato era que eu não estava mentindo. Com toda a sua
simplicidade, minha mãe tinha a arte de citar personagens (reais
e fictícios) numa dramaticidade shakesperiana de aproveitável
conteúdo a qualquer dramaturgia contemporânea, e, num
repente, transformar o mesmo roteiro num suspense que,
despretensiosamente, descrevia Agatha Christie e, munida de
toda a habilidade crônica que a natureza lhe deu, desviar o
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