Gilberto Candido
les bem dados nas suas partes baixas que o pobre Aquiles caiu,
deitou, rolou, gemeu de tanta dor, agonizando até a morte.
Fiquei impressionado com a bengala que o Toninho apoiava — como se ele tivesse uma perna mais curta que a outra —
e pensei em dar uma rasteira nela; assim, meio que sem querer,
só pra ver se aquele apoio era realmente necessário, ou só uma
frescura do Toninho que preza muito pela elegância, assim como preza pelos amigos, como o Gilberto Candido, por exemplo.
Seria sacanagem de minha parte tentar derrubar o cara. Ainda
mais que fui aos poucos relembrando fatos e caí na real. O Toninho era policial. Estava à paisana. Licenciado. E uma rasteira
na sua bengala poderia me implicar numa voz de prisão ali
mesmo.
Brincadeira, Toninho! Tudo isso foi só pra dizer que naquele dia, você e a sua bengala me fizeram lembrar um cara,
consultor de semijoias e acessórios, que trabalhava no grupo que
administrava um hotel, e vivia esquecendo coisas. Tinha dias
que ele subia para o apartamento e esquecia a maleta dele bem
no meio do saguão. Noutro, ele esquecia onde havia deixado o
carro e, num outro dia ele esqueceu que era segunda; pensou que
fosse domingo e não foi trabalhar. Esquisito mesmo foi um dia
que ele chegou no hotel apoiando-se numa bengala e dizendo
que havia torcido o pé. Esparramou-se na poltrona, leu todos os
jornais e depois subiu. Esqueceu a bengala, esqueceu de mancar
e esqueceu que havia nos mentido que tinha torcido o pé.
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