Inominável Nº 4 | Page 32

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Muitas vezes gosto de adaptar a leitura ao local para onde vou, e também preparar a viagem com o auxílio de guias e livros sobre os sítios que quero descobrir. Sim, eu gosto de levar o trabalho de casa feito, tenho fobia de perder tempo em férias, pois o tempo para fazer o que apetece, e só o que apetece, é tão pouco, que quando chega temo sempre não o aproveitar convenientemente. A sofreguidão de querer abraçar tantas coisas (e tantos livros) faz, por vezes, que o suposto descanso seja um bocado cansativo.Eu acho que nas férias sou mais facilmente personagens, horas a ler sem parar são o bilhete de entrada, por exemplo, nas ruas da cidade de um livro. Visitar Barcelona e ler Zafón é uma experiência inesquecível. Há duas Barcelonas que são uma só, e a imaginada pelo autor vai espreitar em cada rua da cidade velha, os meus olhos vêem a realidade romanceada, e procuro incansavelmente o Cemitério dos Livros Esquecidos. A disponibilidade mental é total e o desejo de cair a pique nos cenários do livro obriga a uma Barcelona única, aquela que levo para casa. Para sempre.

Os livros tornam as viagens especiais, associarão para sempre locais a momentos de leitura. Levar um romance histórico para ler nas ruínas de um castelo, ao ar livre, na sombra de uma árvore, por exemplo, poderá fazer surgir uma batalha no campo vazio que se estende até à linha do horizonte. O verde da paisagem recebe o sangue derramado e consigo ouvir o som das espadas e lanças. Há cabeças decepadas, mortos e feridos. Espero não estar a ir longe demais para as almas mais sensíveis.

Como no mundo dos livros há sempre opções de escolha, para os mais impressionáveis de visita ao castelo sugiro uma história de amor, daquelas épicas, se calhar igualmente trágicas, mas mais adequadas aos pequenos corações apertados sedentos de paixão.

A verdade é que todo o leitor gosta de sofrer. Sim, quem é que nunca chorou (sejam francos e não adianta assobiar para o ar), mesmo que só um bocadinho, ou nunca ficou com o coração apertado com os amores não correspondidos, amantes separados pelas guerras ou pelas famílias (outras guerras, na verdade)? E quando o personagem preferido morre? Uma bofetada. A fúria. É mais forte do que nós. Fechamos o livro com ganas de o atirar fora e amuamos, não é? Sim, mas só até o bichinho voltar e nos começar a consumir os pensamentos. Sentimos que temos de saber o que acontece a seguir e, sim, voltamos ao livro, mesmo depois dele nos ter dado um estalo na cara.

Quando tenho tempo livre elimino horários e regras. Sou, todo o ano, escrava de horários e tarefas, numa castradora dependência da ditadura do relógio. Portanto, nas férias de Verão, qualquer hora é boa para ler, seja pela noite dentro ou ao nascer do dia, na companhia dos primeiros sons da manhã. O regresso à realidade é duro, e entrar na engrenagem dos horários deixa-me uns tempos numa sensação de permanente jet-lag. As férias e o Verão são efémeros, como todas as coisas deliciosas da vida, e despedem-se de repente, deixando-me a pensar no tempo em que tão ansiosamente esperei que chegassem.

Portanto, meus amigos, há que planear muito bem o tempo livre. Despeço-me com uma sugestão que se pode praticar não só no Verão, mas no ano todo. Levem livros para todo o lado! Se as temperaturas agradáveis permitem ler ao som do mar ou das cigarras, em piqueniques com amigos, ou em tardes de lazer em família, ler agasalhado não é menos agradável. E como sabe bem ouvir a chuva e beber um chá quentinho!

Para onde forem levem um livro, ou vários, muitos se forem para o fim do mundo! Não corram riscos e invistam sempre nessa viagem maravilhosa que é ler. Aproveitem o Verão e leiam muito!

Fotos de Gil Cardoso