Inominável Nº 3 | Page 42

Saber-te, sem perder-te, nem ganhar-te,

coexistente com quem sempre fui,

e, sem me dispersar, multiplicar-te

nas águas desse rio que em mim conflui

Pr`a submergir-me, ou pr`a tornar-me parte

do mar sem dimensão do que se intui,

o mesmo que engendraste pr`a afogar-te,

esse, o que em espanto e vagas te dilui...

Neste entretanto, já nem sei que mar,

nem que inventado rio me afoga assim,

depois de calmamente me banhar,

Mas há sempre um que nasce e morre em mim

e exactamente aonde eu desaguar

terá, na foz que sou, chegado ao fim...

Meu celeiro farto, meu pinheiro manso

Que choras se parto, calo ou me desdigo,

Meu pinheiro amigo, meu seguro abrigo

Onde, havendo p`rigo, me escondo e descanso

De um bulício antigo que nem sempre alcanço;

Porta sem postigo, falta sem castigo,

Figueira onde o figo sabe que o bendigo

Por ser só comigo que dança, se eu danço...

Doce figo lampo que uma mãe-figueira

Me of`receu trigueira, lesta, rotineira

E que ao dar-se inteira se me foi tornando

Materno alimento, sangue, irmã ceifeira

Da espiga engendrada nesta fértil leira

Tão mais derradeira quão mais vai faltando...

COEXISTÊNCIA(S)

MEU PINHEIRO-MANSO, MEU FIGUINHO-LAMPO...

(soneto em verso hendecassilábico)

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