Saber-te, sem perder-te, nem ganhar-te,
coexistente com quem sempre fui,
e, sem me dispersar, multiplicar-te
nas águas desse rio que em mim conflui
Pr`a submergir-me, ou pr`a tornar-me parte
do mar sem dimensão do que se intui,
o mesmo que engendraste pr`a afogar-te,
esse, o que em espanto e vagas te dilui...
Neste entretanto, já nem sei que mar,
nem que inventado rio me afoga assim,
depois de calmamente me banhar,
Mas há sempre um que nasce e morre em mim
e exactamente aonde eu desaguar
terá, na foz que sou, chegado ao fim...
Meu celeiro farto, meu pinheiro manso
Que choras se parto, calo ou me desdigo,
Meu pinheiro amigo, meu seguro abrigo
Onde, havendo p`rigo, me escondo e descanso
De um bulício antigo que nem sempre alcanço;
Porta sem postigo, falta sem castigo,
Figueira onde o figo sabe que o bendigo
Por ser só comigo que dança, se eu danço...
Doce figo lampo que uma mãe-figueira
Me of`receu trigueira, lesta, rotineira
E que ao dar-se inteira se me foi tornando
Materno alimento, sangue, irmã ceifeira
Da espiga engendrada nesta fértil leira
Tão mais derradeira quão mais vai faltando...
COEXISTÊNCIA(S)
MEU PINHEIRO-MANSO, MEU FIGUINHO-LAMPO...
(soneto em verso hendecassilábico)
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