UM PORQUÊ
Há um novo porquê suspenso no teto.
Cada vez que o olho
quero dizer que esses são os dias bons
aqueles em que as perguntas se renovam
sem resposta necessária
ou suficiente. Sei lá das suficiências
ou necessidades.
Sei dos dias cheios de porquês
que se balançam como se quisessem
gerar ideias.
É talvez por isso que existe o teto
não para me tapar as dúvidas.
Lá fora o dia juntou todas as cores
branco límpido.
Se perguntasse para onde foi o azul
ou o dourado
estaria a inventar mais um porquê
e não posso.
A regra manda que se suspendam do teto
para que os dias possam ser brancos
e não haver dúvidas.
in “Um pássaro antigo nos olhos”, pag. 24, editora Modocromia
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O SILÊNCIO POR DENTRO DA COR
Sinto uma raiva contida nas esquinas do tempo
um sopro hostil
que tolhe o movimento.
Paro um pouco.
Afinal os dias podem abrandar
o ritmo interior
sem que nada se parta, se perca
de algum antigo ardor
ou chama vital.
Que sei eu do que me leva?
Que sei do bem ou do mal?
Paro um pouco
ou muito ou tudo ou o que for.
Que se oiça o silêncio por dentro da cor
dos sons,
até que a claridade se revele inteira
sem sombras de fingida dor.
Que a balança suba o prato da entrega
leve, leve pena pairando no ar
livre de amarras.
Porque um certo dia essa hora chega
no áspero vento das bandas do mar.
Tempo de pensar.
in “Um pássaro antigo nos olhos”, pag. 20, editora Modocromia