Informativo ABECO Informativo No 3 (out-dez 2015) | Page 2
Informativo da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação
Número 03 – Outubro a Dezembro de 2015
OPINIÃO
Entre
a
informação
e
a
desinformação:
a
diFcil
análise
de
um
acidente
ambiental
de
magnitude
nacional
sem
precedentes
por
FÁBIO
VIEIRA
Universidade
Federal
de
Minas
Gerais
Talvez
a
sociedade
brasileira
jamais
tenha
vivido
sob
a
cobertura
jornalís5ca
de
um
acidente
ambiental
tão
intensa
como
a
ocorrida
após
o
rompimento
da
barragem
de
rejeitos
de
Fundão,
de
propriedade
da
SAMARCO
e
localizada
em
Mariana
-‐
MG.
Certamente
todo
o
interesse
se
deveu
à
magnitude
do
mesmo,
com
diversos
termos
sendo
usados
na
sua
designação:
“tsuLama”,
“avalanche
de
lama”,
“lama
tóxica”,
“dilúvio
de
lama”,
entre
outros
( 1,
2,
3,
4 ).
Não
entrando
no
mérito
das
perdas
humanas
e
econômicas,
inques5onavelmente
de
dificílima
reparação,
uma
grande
parte
do
que
se
publicou
e
propagou
do
ponto
de
vista
ambiental
também
pode
ser
analisado
como
um
“tsunami
de
impropriedades”.
Não
há
como
em
um
espaço
exíguo
como
esse
relacionar
tudo,
mas
usando
somente
exemplos
da
fauna
de
peixes
exemplifico
a
questão:
“É
oficial:
o
rio
Doce
está
completamente
morto”
(5);
“Duzentas
espécies
de
peixes
do
rio
Doce
ameaçadas
pela
lama”
(6);
“Pescadores
convocam
'Arca
de
Noé'
por
WhatsApp
para
salvar
peixes
de
dilúvio
de
lama”
(4);
“Pesquisadores
descobrem
possível
nova
espécie
de
peixe
no
rio
Doce,
antes
da
lama”
( 7);
“ Somente
a
próxima
geração
verá
o
rio
Doce
reviver”
( 8).
Observa-‐se
claramente
que
a
paixão
predominou
sobre
a
razão
e
a
Ciência.
O
processo
foi
rapidamente
catalisado
através
das
redes
sociais
e
uma
comoção
geral
tomou
conta
de
todos,
condição
que
em
poucos
dias
produziu
e
ainda
produz
uma
massa
incontável
de
“especialistas”
nos
mais
diversos
assuntos.
Nesse
período
parece
ter
sido
esquecido
muito
dos
conhecimentos
cienHficos
prévios
e
passou
a
imperar
o
desespero
cole5vo,
incluindo
o
de
leigos
e
profissionais.
O
que
se
observa,
passados
quase
dois
meses
do
acidente,
é
que
a
maioria
do
que
se
falou
e
escreveu
foi
dita
por
pessoas
que
sequer
sabiam
as
caracterís5cas
básicas
de
uma
bacia
hidrográfica
ou
da
biota
que
ocorria
no
rio
Doce.
Para
entender
melhor
essa
questão,
descor5no
rapidamente
as
passagens
a
seguir:
• O
rio
Doce
está
morto:
dentro
da
bacia
hidrográfica
os
impactos
do
rompimento
da
barragem
de
Fundão
es5veram
restritos
à
calha
do
rio
Doce
e
seus
formadores
(rio
Gualaxo
do
Norte/Carmo).
A5ngiram
uma
extensão
de
aproximadamente
670
km
lineares
entre
a
barragem
e
a
foz
em
Regência
–
ES
(9),
e
não
853
km
(8).
Considerando
somente
para
efeito
de
análise
uma
faixa
média
de
calha
do
rio
com
largura
de
1
km
(superes5mado),
conclui-‐se
que
a
área
afetada
dentro
da
bacia
seria
de
no
máximo
670
km 2
(calha
dos
rios
+
áreas
marginais
na
porção
alta).
Essa
área
representa
aproximadamente
0,81
%
do
total
da
bacia
do
rio
Doce,
es5mada
em
83.000
km 2 ,
portanto,
impossível
falar
em
“rio
morto”,
seja
para
qualquer
organismo
que
se
use
como
exemplo.
Uma
bacia
de
drenagem
é
infinitamente
maior
que
o
rio
principal!
• A
citação
de
200
espécies
para
a
bacia
é
completamente
desprovida
de
fundamento
cienHfico.
O
levantamento
completo
da
fauna
de
peixes
conhecida
do
rio
Doce
relacionou
71
espécies
na5vas
(10).
Considerando
descrições
posteriores
e
espécies
novas
ainda
sem
conhecimento
formal,
poderíamos
extrapolar
para
80
espécies.
Portanto,
de
uma
única
tacada
ocorreu
um
aumento
de
150%
na
riqueza
de
espécies,
mais
que
uma
“superinflação
taxonômica”;
• A
espécie
nova
de
piabanha
descoberta
em
Cola5na
foi
ilustrada
inicialmente
com
a
imagem
de
uma
curimba
(Prochilodus),
que
após
correção
foi
trocada
para
a
de
um
Brycon.
Entretanto,
mais
uma
vez
erraram
e
a
espécie
ilustrada
foi
um
B.
amazonicus,
exó5co
à
bacia.
Restou
o
desconhecimento
para
todos
da
verdadeira
piabanha
do
rio
Doce,
que
realmente
é
uma
espécie
nova
e
ameaçada
de
ex5nção,
mas
já
era
conhecida
e
está
em
processo
de
descrição
(Brycon
dulcis);
• “Projeto
Arca
de
Noé”
se
propôs
a
recolher
os
peixes
no
ES
em
uma
extensão
de
145
km
de
rio
com
largura
superior
a
1
km
em
alguns
trechos.
Somente
por
essas
medidas
do
rio
já
se
teria
ideia
da
inocuidade
da
empreitada,
mas
mesmo
assim
foi
conduzida
com
ampla
aceitação
dos
diversos
setores
da
sociedade.
Piorando
o
cenário,
diversas
fotos
divulgadas
mostraram
espécies
exó5cas
sendo
“cuidadosamente
salvas”,
sendo
exemplo
a
piabanha
( B.
amazonicus)
citada
acima.