Informativo ABECO Informativo No 13 (set-dez 2018) | Page 28

INFORMATIVO ABECO | Edição Nº 13 28 em relação à comunicação científica e à “pós-verdade”. Sabemos que um dos elementos fundamentais para o sucesso da ciência é o balanço entre cooperação e competição na elaboração e verificação empírica das teorias científicas, e isso pode ocorrer em diferentes “escalas” (e, como já discutido, isso explica a dificuldade em gerir grupos de pessoas em laboratórios ou equipes científicas). Indo de um extremo a outro, podemos contrastar, como é comum nos cursos básicos de filosofia da ciência e metodologia da pesquisa, as visões de Popper (na qual o cientista quase que individualmente trabalha em um processo iterativo de conjecturas e refutações) e de Kuhn (no qual os cientistas trabalham sem grandes questionamentos teóricos e imersos em um paradigma, até que este seja eventualmente desafiado por uma “revolução científica”). Embora essas visões sejam usualmente contrastadas em um contexto metodológico, existem implicações mais profundas que podem ser associadas a elas. Em um certo sentido, a visão Kuhniana foi associada a uma percepção relativista da ciência e muitos ainda a consideram (talvez erroneamente) a base de alguns programas mais radicais de pensamento em sociologia da ciência. A sociologia da ciência apareceu ainda nos anos de 1950 tentando entender os componentes sociológicos do pensamento científico e que valores (tais como universalidade, compartilhamento de ideias, desinteresse pessoal e ceticismo organizado) poderiam explicar a atitude dos cientistas e o sucesso da própria ciência. Mas esse programa rapidamente avançou para formas mais radicais nas quais a própria realidade passou a ser considerada como dependente da estrutura social. Abre-se assim espaço para inferir que a ciência não é muito diferente de outras crenças ideológicas e religiosas, já que os fatores que fazem com que os cientistas acreditem na evidência científica não diferem socialmente de qualquer outra forma de crença (ideológica ou religiosa, por exemplo). Essa é uma discussão complexa e obviamente não é aceita pela maior parte dos cientistas (pelo menos nas ciências naturais, já que a crença na realidade e a realidade “em si” são questões bem diferentes nesse caso...), mas talvez essa visão relativista possa ajudar a entender em parte o avanço da pseudociência e da “pós- verdade”, como já discutido.