somente a ponta de um iceberg, cujo núcleo duro é não só as
rupturas social, moral e institucional, mas também a falência do
modelo de gestão do setor público.
O crescimento dos 20 anos anteriores à esta crise caracterizou-se por grandes desigualdades sociais e por um ambiente
cultural-moral presidido por valores individualistas, centrados
no lucro em curto prazo e no consumismo exacerbado.4 Ao
conjunto da sociedade foi proposto um nível de bem-estar
material alcançável por um número de pessoas cada vez menor.
Um bem tão básico quanto moradia era inacessível à maioria
dos jovens. A essas necessidades de consumo se somavam novas
necessidades, fruto do avanço da economia do conhecimento:
acesso às tecnologias da informação, formação continuada ao
longo da vida, níveis de saúde etc.
Ante o crescimento das necessidades, o Estado de Bem-Estar
retrocedia, uma vez que o gasto público em relação ao PIB se
mantinha constante ou se reduzia.
Tampouco as pessoas obtinham o apoio necessário das
redes familiares e sociais, que haviam se tornado mais instáveis
e precárias.5 O peso do projeto de vida passou a depender cada
vez mais dos indivíduos que, por sua vez, se tornaram cada vez
mais autoinsuficientes e com menos apoio pessoal e público
frente às exigências da sociedade.6
Esta contradição entre aspirações e possibilidades sociais,
que E. Durkheim7 denominou anomia ou desorganização
4 Ver, por exemplo, o estudo da OCDE (2011): Seguimos divididos: por que aumenta
a desigualdade?
5 Relações líquidas, nas palavras de Z. Bauman.
6 Os indivíduos são, como assinala Ulrich Beck, autoinsuficientes. Isto é, necessitam
formar redes distintas em função dos desafios e necessidades que enfrentam, a
fim de conseguir superá-los. Em um contexto instável e turbulento tanto na
esfera pessoal quanto como na econômica e social, com a presença de valores
individualistas, que priorizam o lucro e o consumo pessoal frente aos valores
comunitários, isso torna-se cada vez mais difícil.
7 DURKHEIM, E. O Suicídio (múltiplas edições, primeira edição 1897).
Governança Democrática: Construção coletiva do desenvolvimento das cidades
17