Governança Democrática - 3ª Edição | Page 19

somente a ponta de um iceberg, cujo núcleo duro é não só as rupturas social, moral e institucional, mas também a falência do modelo de gestão do setor público. O crescimento dos 20 anos anteriores à esta crise caracterizou-se por grandes desigualdades sociais e por um ambiente cultural-moral presidido por valores individualistas, centrados no lucro em curto prazo e no consumismo exacerbado.4 Ao conjunto da sociedade foi proposto um nível de bem-estar material alcançável por um número de pessoas cada vez menor. Um bem tão básico quanto moradia era inacessível à maioria dos jovens. A essas necessidades de consumo se somavam novas necessidades, fruto do avanço da economia do conhecimento: acesso às tecnologias da informação, formação continuada ao longo da vida, níveis de saúde etc. Ante o crescimento das necessidades, o Estado de Bem-Estar retrocedia, uma vez que o gasto público em relação ao PIB se mantinha constante ou se reduzia. Tampouco as pessoas obtinham o apoio necessário das redes familiares e sociais, que haviam se tornado mais instáveis e precárias.5 O peso do projeto de vida passou a depender cada vez mais dos indivíduos que, por sua vez, se tornaram cada vez mais autoinsuficientes e com menos apoio pessoal e público frente às exigências da sociedade.6 Esta contradição entre aspirações e possibilidades sociais, que E. Durkheim7 denominou anomia ou desorganização 4 Ver, por exemplo, o estudo da OCDE (2011): Seguimos divididos: por que aumenta a desigualdade? 5 Relações líquidas, nas palavras de Z. Bauman. 6 Os indivíduos são, como assinala Ulrich Beck, autoinsuficientes. Isto é, necessitam formar redes distintas em função dos desafios e necessidades que enfrentam, a fim de conseguir superá-los. Em um contexto instável e turbulento tanto na esfera pessoal quanto como na econômica e social, com a presença de valores individualistas, que priorizam o lucro e o consumo pessoal frente aos valores comunitários, isso torna-se cada vez mais difícil. 7 DURKHEIM, E. O Suicídio (múltiplas edições, primeira edição 1897). Governança Democrática: Construção coletiva do desenvolvimento das cidades 17