Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 96
Maria Rosaria Manieri
No mundo moderno, o amor não tem mais a potência espi-
ritual do eros platônico e da caritas cristã, que elevam o homem
à dimensão comunitária do banquete e do agapè. O heroico furor
que impele o homem além de todo limite e lhe dá força para
criar sua civilização e sua história, aí celebrando seu destino
superior, é a última figura, que Giordano Bruno constrói na
alvorada da era moderna, do amor que tem dimensão pública
como fonte originária de ordem, unidade, finalidade do mundo.
No universo determinado pela revolução industrial
moderna, o amor, como Descartes o define, é só uma das seis
paixões fundamentais, ligada à condição corpórea. Está confi-
nado ao horizonte do sujeito e se resolve em paixão, em senti-
mento, em mero fato psíquico, é pathos que se esgota na subjeti-
vidade e – afirma Hobbes – nada mais é do que amor de si.
O amor desinteressado – avisam os moralistas – é uma fábula, e
Smith advertiu que não se esperasse generosidade do cervejeiro
ou do padeiro.
Em resumo, no mundo moderno o amor revela sua inefi-
cácia prática, sua improdutividade. Só ao se institucionalizar é
que se torna civilmente fecundo. Mas na dimensão da instituição
o amor nega a si mesmo. A ordem, a unidade, a coesão, a finali-
dade do mundo são o resultado não mais do amor, mas das leis
impessoais da razão, em favor das quais o homem moderno é
chamado a testemunhar contra as tentações da sensibilidade e
da paixão. “A bondade – conclui Kant – é um suplemento”. 39
Portanto, não de amor precisa a sociedade moderna, mas de
organização sob princípios racionais, universalmente válidos,
capazes de permitir a formação de um corpo social verdadeira-
mente comum.
39 Kant, Lezioni di etica, cit., p. 242.
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