Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 91

Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo Pode-se amar o próximo por menos respeito que mereça, mas se deve respeito a todo homem, ainda que se julgue tal homem pouco digno de amor. Subtraído ao plano empirista e sentimental, o amor ao pró- ximo encontra, em Kant, seu fundamento na regra universal do direito. “O direito deve conferir aos outros mais segurança do que qualquer proteção ou defesa”. 29 O amor não confere tal segu- rança; por mais que se ponha como dever, alude sempre a um sentimento espontaneamente aberto aos outros e pressupõe uma relação entre os homens que não é, como a dos homens con- cretos que vivem na cidade, vitória posterior sobre o egoísmo, mas sim, de partida, triunfo sobre ele. Sobretudo, não é capaz de garantir a todos tal segurança. De fato, o amor comporta uma grande diferença de grau na relação com os outros: “Alguém pode interessar-me mais de perto do que outro mais, e quem me toca mais de perto em termos de benevolência sou eu mesmo. Ora, como isto pode conciliar-se com a fórmula ‘Ama teu próximo (teu semelhante) como a ti mesmo’? Se existe quem me é mais próximo (no dever da benevolência) do que outro, se, portanto, em relação a ele estou obrigado a uma benevolência maior do que em relação a outros, mesmo restando eu constantemente mais próximo de mim mesmo (inclusive do ponto de vista do dever) do que qual- quer outro, eu, então, ao que parece, não posso dizer sem con- tradição que ‘devo amar todo homem como a mim mesmo’”. 30 Isto é particularmente evidente na amizade, “a qual cons- titui uma ideia na medida em que serve como termo de compa- ração para determinar o amor recíproco”; mas, das três formas de amizade que os homens, segundo Kant, praticam, baseadas 29 Idem, p. 246. 30 Idem, p. 247. 89