Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 90
Maria Rosaria Manieri
tença de Jesus, entrevendo nela o ideal da santidade que nenhuma
criatura pode alcançar, resolve-se, assim, em pura perda, porque
este ideal, que representa os deveres como cumpridos de bom
grado, é contraditório em si: os deveres pressupõem uma opo-
sição e cumpri-los de bom grado não implica nenhuma”. 26
Querer bem por amor depende do coração, ao passo que
querer bem por obrigação depende dos princípios do intelecto.
Pode-se, por amor, tratar com bondade a própria mulher; con-
tudo, ainda que desaparecida a inclinação amorosa, seremos
obrigados a agir do mesmo modo por obrigação. O ato moral
não é um movimento do coração, mas a satisfação de um dever
que não deve ser confundido com a bondade e a generosidade.
Ele “implica sempre uma coerção (Zwang) ou de nossa parte, ou
da parte dos outros”; ao contrário, querer bem por inclinação
não implica obrigação coram foro interno e muito menos coram
foro externo. 27
Não se manda no coração e, de todo modo, o coração tem
suas razões que a razão muitas vezes não conhece. “A divisão
mais geral de nossos deveres para com os outros é a que os divide
em deveres que têm por característica obrigar aqueles em favor
dos quais se cumprem e em deveres cujo cumprimento não tem
por consequência criar uma obrigação nos outros”. 28 Como
princípio da razão pura legisladora, a fraternidade é um dever
da primeira espécie. Ela se forma com base no respeito e exige
ações justas e devidas, derivadas de um direito próprio e neces-
sárias por autoridade (ius) ou necessárias por obrigação interna
(Ethik). Ao contrário, a fraternidade como amor é um dever da
segunda espécie e não é obrigatória, mas meritória.
26 Hegel, Lo spirito del cristianismo e il suo destino, cit., p. 267.
27 I. Kant, Lezioni di etica, Roma-Bari, Laterza, 1984, p. 220.
28 I. Kant, La metafisica dei costumi, Roma-Bari, Laterza, 1970, p. 246.
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