Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 88

Maria Rosaria Manieri “Vós sois escravos – grita contra os fariseus o Cristo hege- liano, que foi visto sob muitos aspectos como um personagem kantiano 22 – porque estais sob o jugo de uma lei imposta de fora e, por isso, não tem o poder de arrancar-vos, através do respeito de vós mesmos, à servidão das inclinações”. 23 O homem conquista o direito à fraternidade quando, ven- cendo as resistências que à lei interior da moralidade opõe o plano das inclinações, faz prevalecer sobre os instintos egoístas a racio- nalidade, sobre a variedade e a conflituosidade de posições e inte- resses particulares o princípio da legislação universal, sobre a anarquia e as incertezas do hobbesiano bellum omnium contra omnes as garantias da ordem civil e a dignidade da lei moral. Toda relação moralmente prática entre os homens, para Kant, é uma relação concebida pela razão pura, vale dizer, uma relação de ações livres, que se regulam segundo máximas que são qualificadas como legislação universal e que, por consequ- ência, não podem ser egoístas. Se pretendo a benevolência dos outros comigo, também devo ser benévolo com todos os outros; inversamente, sem mim todos os outros não são todos os homens e, portanto, a máxima não tem o caráter universal de uma lei. É esta universalidade e reciprocidade da razão pura prática que, segundo Kant, o mandamento evangélico expressa. A obri- gação de amar o próximo como a mim mesmo, de fato, não quer dizer que eu seja forçado a amar a mim mesmo (o que ocorre ine- vitavelmente mesmo sem mandamento), mas sim que “a razão legisladora, a qual, em sua ideia de humanidade em geral, com- preende toda a espécie (e, portanto, também a mim), esta razão, sendo universalmente legisladora, compreende no dever da bene- 22 A. Negri, Schiller e la morale di Kant, Lecce, Milella, 1968, p. 142-143. Cf., em par- ticular, o capítulo “Il Cristo kantiano o il Kant cristiano di Hegel”. 23 Hegel, Lo spirito del cristianismo e il suo destino, in idem, Scritti teologici giovanili, cit., p. 98. 86