Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 82
Maria Rosaria Manieri
Não é o único limite da concepção iluminista da fraterni-
dade política. Também no plano interno, apesar da proclamação
da soberania popular e da universalidade dos direitos de liber-
dade, igualdade e fraternidade, o sufrágio universal não se
estende até alcançar todos os homens e dele estão excluídas as
mulheres. São críticas bem conhecidas que à direita e à esquerda
foram dirigidas ao pensamento político iluminista. No entanto,
não se pode deixar de ver o forte impulso progressista que a afir-
mação política da fraternidade traz consigo, com todos os seus
paradoxos mas também com as aberturas que determina.
A fraternidade não é mais figura de retórica sem grande
valor no plano político, simples referência a um sentimento de
benevolência ou “virtude” que devem exercer todos aqueles que
vivem em sociedade. Não é mandamento divino para ganhar a
vida eterna, mas princípio para a conquista prática e terrena de
uma nova ordem civil e social.
A insuficiência das formas nas quais ela política e juridica-
mente se realiza em cada circunstância, a distância – para men-
cionar Habermas – entre “o sentido universal dos direitos
humanos e as condições locais de sua realização” 13 estão, daqui
por diante, na base de todo movimento emancipador. Nascem
desta distância as batalhas pelo sufrágio universal e o avanço
dos processos de democratização, mas também a exigência de
organização de alguns setores do Estado segundo um critério
generalizado de solidariedade social.
13 J. Habermas, L’inclusione dell’altro. Studi di teoria politica, Milão, Feltrinelli, 1998,
p. 221: “Os direitos do homem têm a face ambígua de Janus, voltada simultanea-
mente para a moral e para a política. A prescindir de seu conteúdo moral, têm a
forma de direitos jurídicos. Por um lado, não diferentemente das normas morais,
referem-se a tudo o que tem ‘face humana’; por outro, sendo normas jurídicas, só
protegem cada pessoa na medida em que pertençam a determinada comunidade
jurídica (normalmente, os cidadãos do Estado-nação). Nasce assim uma tensão ca-
racterística entre o sentido universal dos direitos humanos e as condições locais de
sua realização”.
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