Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo FRATERNIDADE_MANIERI | Page 75

Fraternidade. Releitura civil de uma ideia que pode mudar o mundo Fundada laicamente, não sustentada por justificações reli- giosas, a fraternidade passa a fazer parte do ambicioso programa da razão moderna de construir uma sociedade justa, possível para indivíduos emancipados de toda tutela, donos de si e iguais em liberdade e dignidade, independentemente das diversas especificações e pertencimentos. Deste ponto de vista, a Revolução Francesa constitui uma pas- sagem histórica, política e cultural de fundamental importância. O que é novo no tríptico de 1789 é a aquisição, por parte da fraternidade, de uma dimensão política através de sua aproxi- mação e interação com os princípios de liberdade e igualdade. Com efeito, fala-se até 1789 de fraternidade sem liberdade e igualdade civil, política e social, ou, mesmo, fala-se de fraterni- dade em substituição a elas. Com a Revolução Francesa, a frater- nidade torna-se um dos três princípios ideais constitutivos e entre si incindíveis de uma perspectiva política inédita, assina- lando a novidade da passagem epocal das sociedades cristãs patriarcais do ancien régime para as sociedades liberais modernas. “O tríptico introduz – ou pelo menos faz cintilar a mirada para – um mundo novo; um novum que coloca em crise também o modo como o cristianismo até então havia entendido a fraternidade”. 3 A novidade reside no desafio político que a modernidade lança acerca da concreta viabilidade da fraternidade no terreno dos ordenamentos públicos e no de uma possível constituição cosmopolita, que assegure a “paz perpétua” entre os Estados. Através da temática do contrato social, o jusnaturalismo e o iluminismo transformam a velha noção de fraternidade e ela- boram os requisitos do reconhecimento de cada qual como irmão no âmbito do ordenamento civil. 3 Baggio (org.), Il principio dimenticato, cit., p. 6. 73